A chica que escreve da semana é a Maya Falks. Escritora, jornalista, resenhista e também curadora da Bibliofilia Cotidiana. Atualmente ela é publicitária e jornalista, e acumula mais de 20 prêmios entre contos, crônicas e poesias. Autora de diversas obras como Depois de tudo, Versos e outras Insanidades e Histórias de Minha Morte entre outros livros. Ufa! Vamos à entrevista! 😊

Poderia nos contar um pouco de sua trajetória como escritora? Por que começar a escrever? E mais, por que continuar escrevendo?
Comecei muito antes de saber que era isso que eu estava fazendo. Eu gostava de criar histórias desde muito pequena, era minha brincadeira favorita. Antes da alfabetização, desenhava histórias em quadrinhos e ditava para minha mãe os diálogos entre os personagens. Lembro o quão mágico foi pra mim quando consegui escrever minhas primeiras palavras sozinha, era minha libertação, eu poderia tomar para mim o domínio total das minhas histórias, e acabei escrevendo meu primeiro livro aos 7 anos. O segundo veio aos 10, quase 11, junto com a primeira poesia, e eu nunca mais parei. Meu primeiro romance que foi efetivamente publicado escrevi com 24, no mesmo ano que ganhei meu primeiro prêmio.

Comecei a escrever porque sou feita de literatura, dessa vontade gigante de contar histórias. Continuo porque literatura não é o que eu faço, é o que eu sou; se eu parar de escrever, desapareço.

Além disso, poderia nos contar um pouco sobre suas influências literárias. Quais nomes da literatura te marcaram? Qual foi sua última leitura?
Meu primeiro livro de cabeceira, quando eu ainda era bebê, foi o “Batalhão das Letras”, de Mário Quintana. Obviamente eu não sabia ler, mas não tenho dúvidas de que as tantas horas que me perdi em suas páginas nessa primeira infância foram de grande importância no estímulo da minha criatividade. Posteriormente veio a coleção Vagalume, que era da minha irmã. Meu primeiro grande ídolo literário foi Pedro Bandeira, cheguei a escrever uma longa carta para ele com uma ideia para mais uma aventura dos Karas, tinha por volta de uns 13 anos, e ele me respondeu sugerindo que me tornasse escritora! Conheci Gonçalves Dias aos 14 e foi um amor avassalador à primeira lida, a ponto de eu literalmente comprometer 3 meses de salário, anos depois, para pagar por um livro de obras completas dele. Por sinal, sou da geração analógica, a internet surgiu quando eu já estava no final da adolescência, e a primeira coisa que eu fiz online foi buscar poemas dele.

Durante muitos anos consumi literatura enlatada estrangeira, aquela coisa meio clichê que, com um pouco de experiência na leitura você descobre como o livro termina ainda no primeiro capítulo. Não vou dizer que foi perda de tempo, porque as centenas de livros de baixa qualidade que li me ensinaram muito sobre literatura, ou sobre o que eu não queria fazer do meu futuro.

Claro que nessas de lista de best sellers também encontrei livros que me marcaram profundamente, como as obras do espanhol Zafón, ele foi o primeiro autor de literatura adulta que me fez virar a noite porque não conseguia parar mais. Depois vieram vários outros, como o livro “Sob a Redoma”, de Stephen King, que li suas 998 páginas em 2 dias. Antes desse meu maior feito tinha sido “Convite para um homicídio”, de Agatha Christie, também 2 dias, mas metade do tamanho.

Comecei a redescobrir a literatura nacional com Letícia Wierzchowski, de quem tenho todos os livros autografados (mentira, falta um que tá esgotado e eu não consegui). Depois que comecei a publicar, entrei de vez no processo de conhecimento da literatura nacional e isso tem feito uma diferença enorme no meu amadurecimento. Mesmo com 4 livros publicados, um no prelo e outro já aprovado, sinto que ainda estou em construção como escritora, e pretendo continuar assim.

Só é peculiar pensar que durante minha formação como leitora, eu tinha preferência por romance policial, e o único do gênero que escrevi foi aquele aos 10 anos, nunca publicado…

O último livro que li foi “Sorte”, de Nara Vidal. Por sinal, recomendo.

Seu quarto livro “Poemas para ler no Front” é sobre guerras e outras tragédias. Poderia nos contar um pouco do livro? E como escolheu o tema?
Sou uma pessoa privilegiada. Vivo no interior no Rio Grande do Sul onde, apesar de ser uma cidade grande com índices expressivos de violência, eu mesma nunca estive em uma situação concreta de guerra cotidiana. Já teve tiroteio na frente da minha faculdade, mas só ouvi os barulhos e os gritos, estava perfeitamente segura, e minha mãe levou um tiro quando eu tinha 10 anos, mas foi uma bala perdida; talvez pareça meio drástico pensar que caramba, minha mãe levou um tiro, mas não estivemos cara a cara com uma pessoa armada ou em uma situação mais ampla de violência. Reconheço meu privilégio, e me sensibilizo muito com quem não o tem. Chorei por dias quando aquele garotinho refugiado foi encontrado sem vida na beira da praia (tem poema sobre ele no livro), me sinto muito tocada com a situação da Síria embora eu não tenha absolutamente nenhuma ligação com o país. Não sei explicar, mas desde que começou a destruição deles, sinto meu coração apertado.

Sou extremamente sensível, em um nível que beira o absurdo, e genuinamente sofro com as situações de violência, sejam de grandes guerras, atentados, tiroteios ou as situações cotidianas, como atos de racismo, homofobia, intolerância de qualquer nível.

Na ocasião que me veio a ideia do livro, um tio muito querido, grande incentivador da minha literatura, tinha sido diagnosticado com câncer de pâncreas. Aquilo foi absolutamente avassalador porque entramos de luto com ele ainda vivo. Cada dia era menos um dia e, em 40 dias, nós o perdemos. O câncer venceu a guerra. Na semana do falecimento dele entrei em uma imersão gigantesca de dor e de revolta com tudo o que acontece no mundo, porque meu tio era professor e pesquisador de altíssimo gabarito e dono de uma humildade exemplar, era uma pessoa verdadeiramente boa. Ali eu entendi que não sabemos nada sobre a vida e sobre justiça cósmica, ou divina. Poemas para ler no Front virou não apenas meu grito de revolta contra tudo isso, mas também a assimilação do meu luto.

Seu próximo livro vai ser publicado pela Editora Macabéa, certo? Poderia nos contar algo a respeito?
Isso! Já tenho uma relação antiga com a Macabéa. Quando era ainda selo da Multifoco, a Thayssa, uma das diretoras da editora, me procurou e me convidou para publicar. Na época eu tinha acabado de ser aprovada em financiamento público do meu segundo romance e assinado com outra para reedição do meu primeiro, então não tinha nada concreto nas mãos. Nosso acordo foi fazer uma seleção entre centenas de poemas que eu tinha na gaveta e transformar em livro. Assim nasceu “Versos e Outras Insanidades”, lançado em 2017 junto com “Histórias de Minha Morte”. Depois as gurias saíram um tempo do mercado pra se reorganizar e retornar como editora independente, e quando isso aconteceu, a Thayssa me procurou. Dessa vez eu tinha Santuário pronto, meu primeiro livro de contos e um marco grande na minha vida porque foi meu primeiro trabalho depois de um ano sem escrever por causa de uma depressão.

O livro foi aprovado pelas três sócias da editora, mas, como eu amarrei bem os contos para se passarem todos na mesma cidade (Santuário), Thayssa insiste que é um romance com várias vozes. Entendo a interpretação dela, mas cada conto (ou capítulo) pode ser lido isoladamente sem que o leitor se perca por não ter lido o anterior ou perca o fim daquela narrativa por não ler o seguinte. São várias histórias independentes que juntas formam uma história só.

É um livro muito mais leve que o “Histórias de Minha Morte” e desperta todos os tipos de emoção, acho que o pessoal vai gostar, ou assim espero.

Você também é publicitária e jornalista. Como vê a relação dessas atividades com a sua literatura?
Creio que ambas áreas contribuíram com a minha literatura, embora ela tenha vindo antes. A publicidade, embora comercial, nos obriga a ser mais diretos, sucintos, aprender a compreender o público-alvo e adequar a linguagem a ele, o que é muito importante na hora de criar um personagem; o jeito que ele se expressa no texto tem que ser coerente com a forma como o descrevemos em termos de personalidade. Quando crio um anúncio, não sou eu que estou falando, é um narrador neutro, que precisa ser compreendido pelo público; como trabalhei quase 20 anos na área (ainda atuo, mas não trabalho mais em agência) e atendi clientes de tudo o que é tipo – de borracharia a farinha, de motel a plano de saúde – minha voz narrativa precisava mudar várias vezes ao dia, não tinha tempo para uma imersão, para sair de um narrador para outro, isso fez com que eu tenha hoje muita facilidade em adaptar a minha voz para a voz de qualquer personagem.

O jornalismo já vem com outra pegada, porque ele obrigatoriamente conta uma história também. Se uma autora se apropria da voz jornalística na literatura e transforma em uma narrativa ficcional com ar de reportagem, pode sair um romance muito interessante (provavelmente já existem livros assim). Sem contar o livro-reportagem, que é um gênero jornalístico e literário que aprecio muito. Escrevi um para o meu TCC, inclusive, e foi uma experiência maravilhosa.

Como foi sua experiência de publicação?
Muito frustrante, não vou negar. Sou de uma época em que só existiam duas opções: ou ser aprovada por uma grande editora, ou pagar. Como nunca tive dinheiro pra segunda opção, passei a adolescência mandando cartas para as editoras dos livros que eu lia com grandes ideias para livros. Nenhuma jamais me respondeu. Mas eu não tinha acesso nenhum à realidade do mercado editorial, tudo o que eu conhecia se restringia à minha biblioteca e o tempo que eu passava nas livrarias locais.

Também demorei muito tempo para conhecer outros escritores e poder trocar ideias, então passei muitos anos alimentando fantasias megalomaníacas de como seria minha carreira depois da primeira publicação. O primeiro grande baque que enfrentei foi terminar o livro aos 24 e publicar aos 32 porque eu tentava grandes editoras e a coisa não é assim tão simples, não quando você tão tem nome, nem influência, nem dinheiro, nem nada que te coloque em outro patamar não necessariamente literário.

Quando fui enfim aprovada, passei por uma série de problemas porque foi a primeira vez que eu tive contato com o mundo real dos contratos de edição e com o fato de que hoje apenas as editoras muito grandes conseguem distribuir os livros para as livrarias; meu sonho de estar numa vitrine estava adiado.

Lancei o livro envolta em toda essa atmosfera de “não era bem isso que eu imaginava”, e a coisa só piorou.

Os dois anos que tive de contrato com essa primeira editora do “Depois de Tudo” foram de muita tristeza e angústia, nem tanto por culpa da editora, mas porque eu realmente esperava que fosse tudo diferente, e não era. Publicar é apenas uma etapa na carreira de um escritor, e descobri na porrada que é uma etapa bem pequena. Já fui recriminada por autores não publicados por dizer isso, mas a verdade é que, a partir do momento em que o livro é aprovado pela editora, ele passa a ser um produto, e cada autor é mais um entre milhares de pessoas que produzem literatura – e boa literatura. Só não curto muito a ideia de que vale tudo para se destacar; realmente não estou disposta a violar meus princípios em nome de fama ou vendas, prefiro continuar aprimorando meu texto e deixando esse legado por aqui. Hoje já sei lidar melhor com essa ideia de que o mundo dos sonhos dos grandes escritores não apenas é privilégio de poucos como nem pra eles é do jeito que a gente imagina. O negócio é se iludir o mínimo possível.

Por fim, há algo que você gostaria de dizer para outras mulheres que escrevem? Ou, alguma mensagem final?
Artistas são historicamente incompreendidos. Mulheres artistas são ainda mais. O caminho não é fácil, mas o que é fácil para nós? Entretanto, apesar de tudo, vale a pena. Vale muito a pena. Não desista, quanto mais mulheres estiverem mostrando seu trabalho nesse mercado tão concorrido, mais a gente vence os estigmas machistas.

Além dessa entrevista deliciosa a Maya fez a gentileza de enviar as seguintes dicas:
Um livro: Quarenta Dias – Maria Valéria Rezende
Um filme: Com amor, Van Gogh

Gostaria de agradecer imensamente a Maya Falks por ter aceitado por ter aceitado meu convite para participar e disponibilizar seu tempo para esse bate-papo online. Por hoje é só, por favor, lembre-se, leiam mais e

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  • Laura Elizia Haubert

    Laura Elizia Haubert é doutoranda em Filosofia pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Graduada e Mestre em Fil...

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