Por Matheus Pichonelli, no The Intercept

A Polícia Federal cumpriu na manhã desta terça-feira 21 um mandado judicial de busca, apreensão e condução coercitiva contra o jornalista Eduardo Guimarães, autor e editor do Blog da Cidadania. Quem determinou a ação foi Sérgio Moro, magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Lava Jato.

No pedido, Moro autorizou “a apreensão de quaisquer documentos, mídias, HDs, laptops, pen drives, arquivos eletrônicos de qualquer espécie, arquivos eletrônicos pertencentes aos sistemas e endereços eletrônicos utilizados pelos investigados, agendas manuscritas ou eletrônicas, aparelhos celulares, bem como outras provas encontradas relacionadas aos crimes de violação de sigilo funcional e obstrução à investigação policial” [ênfase adicionada].

Uma das vozes mais críticas ao juiz entre os blogueiros progressistas, Guimarães foi levado logo cedo, por volta das 6h, à sede da Polícia Federal em São Paulo para prestar depoimento. Na ação, foram apreendidos computadores, um pen drive e celulares, dele e da companheira.

O motivo, soube-se depois, era apurar o elo entre o blogueiro e o responsável por vazar a informação sobre a condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março de 2016.

Para a defesa de Guimarães, trata-se de uma estratégia sombria, de intimidação e cerceamento de liberdade de expressão. “Foi cometida uma série de ilegalidades”, disse o advogado Fernando Hideo Lacerda, em entrevista a The Intercept Brasil.

“Ele tinha que ter sido intimado antes, mas sabiam que seria pedido um habeas corpus com base na lei do sigilo de fonte. Isso é para não haver tempo de preparar a defesa. Foi o mesmo padrão da condução coercitiva de Lula. Sem o celular, não tinha como contatar a defesa. Quando cheguei à delegacia já era tarde, já haviam tomado o depoimento”, disse Lacerda.

O embasamento do pedido é, de fato, dúbio. Em videoconferência, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) questionou o magistrado sobre a garantia constitucional ao sigilo de fonte do autor. Ouviu como resposta, segundo ele, que a lei não valia para Guimarães, já que ele não é jornalista de formação.

Uma decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal, entretanto, considerou inconstitucional a obrigatoriedade do diploma para exercer trabalhos jornalísticos no Brasil. Vale para o economista que escreve sobre economia com a ajuda de suas fontes, vale para o blogueiro que escreve sobre política, penda para o lado que for.

“Evidentemente, eles já tinham chegado a fonte que me passou as informações. Eles já tinham tudo aí”, disse Guimarães em entrevista ao Jornalistas Livres, na saída do prédio da Polícia Federal em São Paulo.

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“Não sou jornalista de formação mas há 12 anos eu tenho um site jornalístico”, continua Guimarães. “A decisão da 13ª vara de Curitiba, de confiscar meu equipamento, cita que eu não seria jornalista então não estaria beneficiado pelo direito ao sigilo da fonte. Eu acho isso um equívoco.”

Além disso, chama a atenção, nesta e em outras fases da operação, o fato de que não faltavam jornalistas com acesso antecipado às ações da PF — um deles chegou a escrever ironicamente no Twitter que previa um “dia de paz e amor” pouco antes de os agentes baterem à porta da casa do ex-presidente.

No ano passado, Moro foi pivô de polêmica ao divulgar ilegalmente conversas interceptadas fora do prazo entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, quando o petista foi nomeado para a Casa Civil. O episódio, que levou o magistrado a se desculpar, serviu como gasolina no rastilho de pólvora das manifestações pelo impeachment à época.

Na mira de Sérgio Moro

Em vídeo gravado na saída da superintendência da PF, Guimarães disse estar na mira de Sérgio Moro – contra quem já moveu uma ação no Conselho Nacional de Justiça – desde que escreveu no Twitter uma mensagem de fato dúbia sobre o magistrado, a quem chamou de “psicopata” investido de poder discricionário cuja atuação prejudicava a economia, “seu trabalho e sua vida”.

O juiz e parte dos colunistas antipetistas viram na manifestação uma ameaça ao magistrado de Curitiba. Uma representação criminal contra Guimarães foi movida por Moro. O blogueiro garante que se referia ao trabalho e à vida de seus leitores.

Para Hideo Lacerda, professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito, Moro não poderia determinar uma ação contra um inimigo declarado. De acordo com o advogado, Guimarães foi usado como bode expiatório em uma estratégia para intimidar outros jornalistas identificados como críticos ao magistrado.

Não é a primeira controvérsia do tipo. No ano passado, o jornalista independente Marcelo Auler recebeu ordem para retirar do ar dez reportagens e foi proibido de escrever novas matérias sobre vazamentos e grampos ilegais relacionados à Operação Lava Jato. Depois de gerar críticas, a ordem foi revogada.

No Maranhão, outra operação da PF teve blogueiros como alvo

Por coincidência, no mesmo dia, a PF cumpriu no Maranhão uma outra operação com o objetivo de desarticular uma suposta organização criminosa composta por servidores públicos e particulares que causavam embaraço a investigações policiais no estado. A suspeita era que um policial revelava antecipadamente fatos sob sigilo de Justiça a blogueiros — e estes ameaçavam funcionários públicos e empresários em troca da não divulgação das notícias. Quatro mandados de prisão temporária foram cumpridos.

A defesa de Guimarães esclarece que a ação contra o blogueiro nada tem a ver com as investigações no Maranhão. “Foi pura coincidência”, disse Lacerda.

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