Série Poéticas da Convivência: atonal
O coletivo de mulheres poetas estreia uma série dedicada a estes tempos de isolamento social
A sereia adentra a barca
Vem de águas profundas
Perfura o casco
Penetra os porões
Sobre a madeira
Seca e sem brilho
Move a cauda
Move os lábios
Seu lamento
Enigmático
Espalha-se por corredores
A sereia crê
No abandono
E nos lamentos que ouve
Percebe eco
Fantasmagoria
De si
Em paralelo
Andares acima
Cada uma em sua clausura
As insensatas
Ouvem o lamento
Da sereia e veem
As mesmas miragens
Uma vez mais
A arca é muito habitada
Baias separam as filhas da lua
Mas suas almas vagueiam
Por todo o navio
Em combates de água e fogo
Cantam alto as filhas da lua
Cada uma em língua única
De onde tentam sair
Em uivo polifônico
Canta alto a sereia
E todo canto parece
Às filhas da lua
Um lamento de clausura
A sereia, contudo
É livre, e lamenta
Que lhe respondam
Em língua estrangeira
Os seus fantasmas
A sereia parece livre
Frequenta mares e terras
Navega com ou sem nau
Mas não escapa
De ouvir seu próprio canto
Que insiste em abismos
*Autora: Ana Araújo