Poéticas da convivência: cão amarelo
as palavras têm mais peso
agora que são nossa única saída
noite passada falou-se em abraço
minha amiga descreveu minúcias
e sentimos o calor da pele
mais tarde mencionei um cão
por dentro da pele eu senti
o rosto do vira-lata amarelo
que provisoriamente me tornei
o problema das palavras pesadas
é que é necessário escolher bem ao
lançá-las em direção a alguém
e medir com cuidado a força
versus a distância e a prontidão
entre quem lança e quem recebe
para ninguém se ferir gravemente
eu não disse, mas o cão amarelo
estava ferido e uma cadela
ferida não aceita ajuda salvo
lhe tampem olhos e boca
coloquei água num canto da sala
e passei o dia espiando
se a cachorrinha ia beber
ela se distraiu enfim da minha presença
bebeu um pouco de água
e não faz muito tempo
começou a cantar uma canção:
“dor minha pequena
não vale a pena despertar”
o cão amarelo revela seu nome
atende ao chamarem aurora
“uma aurora mais serena”
é um bom conjunto de palavras
pra quem quer começar a levantar peso
*Poema de Ana Araújo