Neste sábado (29), cheguei aos 44 anos, e decidi escrever sobre envelhecimento, pois essa realidade tem sido surpreendentemente diferente do que as narrativas disponíveis, na minha juventude, sobre ser mulher mais velha, me prepararam para sentir. O envelhecimento das mulheres é demonizado na nossa sociedade patriarcal, e o feminismo me ajudou a não apenas perder o medo da velhice, mas amar meu processo de amadurecimento. E, felizmente, não pareço estar só.

Em 2023, muitas mulheres conhecidas manifestaram esse mesmo contentamento. Andie McDowell, ícone de comédias românticas dos anos 1990 e hoje com 64 anos, proclamou estar farta de tentar parecer jovem, e que quer ser velha. A modelo tcheca Paulina Porizkova, 58, depois de receber críticas por ter postado fotos com biquíni e sem filtros, além de ostensivas madeixas brancas, respondeu que deseja ser “uma mulher mais velha inalterada“. A atriz Justine Bateman, 57, declarou não dar a mínima para o que dizem sobre sua velhice, e complementou dizendo adorar o próprio feitio, pois seu rosto representa exatamente quem ela é. A filósofa brasileira Márcia Tiburi, 53, há alguns dias, postou selfie em seu Instagram reverberando apreço pelos sinais da idade, e a antropóloga Débora Diniz, alguns dias depois e também no Instagram (onde declara ter “cinquenta e poucos anos”), citou Susan Sontag para abordar a problemática do senso de inferioridade de pessoas idosas. É da era a positivação do discurso sobre o envelhecimento, e penso que isso seja um efeito do feminismo. 

Desde nossa mais tenra idade nos empurram anúncios, ilustrados por mulheres igualmente jovens, de cremes antirrugas, pomadas anti sinais, pílulas anti-radicais livres, poções antioxidantes, ácidos hialurônicos, retinol, vitamina C, séruns para firmar a cútis, ou disfarçar poros, ou esconder imperfeições… a pletora de artifícios para combater a ação do tempo não tem fim – e  aqui falei apenas das destinadas ao rosto. Não existe a fonte eterna da juventude. Ainda assim, a retórica vende, e não é pouco. Por isso, quanto mais cedo nos apoderarmos das nossas próprias vulnerabilidades, menos chance damos para que predadores se empoderem e enriqueçam com elas.

Gosto de cosméticos, mas quanto mais idade acumulo, menos desejo consumi-los, e mais enquadro a paranoia do antienvelhecimento como uma ferramenta conveniente para sustentar o capitalismo patriarcal, pela via do consumo como forma de mitigar a insegurança das mulheres.

É opressivo, além de ridículo e impossível, ter como objetivo de vida a manutenção falsa de um aspecto juvenil igualmente falsificado. Meus cabelos, que já teve muitos cortes e cores, hoje levo compridos, com fios brancos crescendo à revelia, misturados ao loiro fajuto que obtenho com spray de clareamento. Mas antes dessa decisão, como toda mulher, fui aterrorizada com a falaciosa necessidade de esconder o inevitável, sob o risco de ser taxada de desleixada. 

Aos 25 anos – não coincidentemente, logo que passei a me dedicar a estudos feministas – me dei conta de que deveria treinar minha mente e coração para não depender de aparência nem de juventude para manter a autoestima e o amor-próprio em alta. Foi aí que perdi o medo de envelhecer, e que passei a valorizar também os significantes da maturidade. 

É fato que com o avanço da idade passei a enxergar mal e ouvir pior ainda, mas a realização dessa inevitabilidade fisiológica me encoraja a olhar e escutar melhor – e embora eu ainda fale muito, o faço com mais consideração e parcimônia.

Como todo corpo que vive para experimentar o rolar dos anos, o meu está na rota inexorável do perecimento. Ainda assim, nunca fui tão confiante neste invólucro. Embora tenha menos tempo pela frente, aprecio mais sua passagem,  sinto menos pressa, e quero aprender cada vez mais. 

Sigo modulando a paciência: um pouco a mais para o que não posso controlar, mas já nenhuma para dinâmicas abusivas. A cada dia busco mais saúde, disciplina e prazer, me organizando para comer e dormir melhor, e processando acontecimentos para que ressentimentos não façam de mim morada. Emoções querem ser sentidas, senti-las é o melhor jeito de entendê-las, e a principal função da razão é abrandar os efeitos dos maus sentimentos — que já não me espantam, mas me protejo contra o estrago que causam. Parei de me preocupar se as pessoas me julgam dura demais, e hoje prefiro que saibam que não dou mole. 

Há alguns anos, quando me dei conta de que a boa velhice requer afiar o cérebro, abracei o exercício físico no afã de ser também mais forte e flexível. Nanni Rios – amiga querida e conterrânea Catarina que prefaciou meu livro “Patriarcado Gênero Feminismo” (Editora Zouk 2022) – bem diz: velhice é músculo. E a vontade desse autocuidado específico chegou quando me desapeguei da triste obsessão patriarcal com a compleição da juventude.

Os significantes físicos da feminilidade que enfatiza a hegemonia da masculinidade, nos termos de RW Connell, no patriarcado se traduzem em maior valorização para o que aponta para a imaturidade do corpo. A juventude, em mulheres, é vista como ideal, pois representa também fragilidade e vulnerabilidade. As imagens de mulher geralmente celebradas são as infantilizadas, as que constam em corpos pouco marcados pela ação hormonal e temporal típica de mulheres cis adultas. 

Como feminista, num exercício de amor-próprio, como antídoto possível e ao meu alcance contra a misoginia social, me ensinei a celebrar as marcas da passagem do tempo no meu corpo. 

Vejo minhas rugas como repositório da experiência vivida, e que vida interessante venho me permitido viver. Envelhecer é a melhor alternativa à morte. E uma mulher envelhecer com gosto e alegria é uma excelente alternativa ao que o patriarcado quer de nós: jovens vulneráveis, ou velhas amarguradas. 

Quando fiz 40, celebrei ter finalmente chegado na idade que queria ter, mesmo essa virada significando que passaria a ser lida como velha. Hoje em dia até pessoas mais velhas do que eu se referem a mim como “senhora”. Lembro da primeira vez que isso aconteceu. Por um segundo, achei que ia ficar ofendida, mas “senhora” – ou seja: “mulher mais velha” – é o suprassumo da humanidade ao meu ver, e fiquei lisonjeada. Senhora? Eu mesma, senhora feminista

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  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

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