Sete de agosto de 2019: 13 anos de Lei Maria da Penha. Na data, o Governo Federal firmou o Pacto pela Implementação de Políticas Públicas de Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres, contando com a participação de diversos órgãos, incluindo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, representado pelo ministro Sergio Moro, que reproduziu em seu twitter: “Talvez nós, homens, nos
sintamos intimidados pelo crescente papel da mulher em nossa sociedade. Por conta disso, parte de nós recorre, infelizmente, à violência física ou moral para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe.” O que essa fala nos diz?

Primeiramente, vamos à data comemorada. É aniversário da Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Caso o ministro não saiba, a Lei tem esse nome em razão do caso da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu, no ano de 1983, dupla tentativa de feminicídio por seu marido, economista e professor universitário, que, em uma oportunidade, atirou nela enquanto dormia, o que lhe causou paraplegia, e, posteriormente, tentou eletrocutá-la no banho. Apesar de duas condenações contra o agressor, e passados 15 anos do crime, ele permanecia em liberdade por não haver uma condenação em definitivo, o que fez com que o caso fosse encaminhado à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos). Em 2001, a CIDH responsabilizou o Brasil por omissão, negligência e tolerância com a violência contra as mulheres. Da responsabilização, em 2006 ocorre a promulgação da Lei, que tipifica as formas de violência contra a mulher e prevê ações estatais de repressão e prevenção da violência.

Embora o caso Maria da Penha tenha impulsionado a lei, esse é mais um entre tantos outros de violência contra as mulheres. No Brasil, a “violência contra a mulher” ingressa na pauta pública apenas na década de 1970, período em que se fortalecem os movimentos sociais, dentre os quais, o feminismo. As mulheres se organizam e passam a denunciar as violências sofridas, provocando o debate direitos sexuais e reprodutivos, assédio, discriminação no mercado de trabalho e violência doméstica.

Um marco importante na percepção da violência contra as mulheres foi o assassinato, no ano de 1976, da socialite mineira Ângela Diniz por seu companheiro Doca Street.

No primeiro julgamento do caso, Street fora condenado a apenas dois anos de prisão (não cumpridos por um benefício legal), pois o crime teria sido cometido em “legítima defesa da honra”. A alegação da defesa é que ele teria matado Ângela por amor, por não aceitar o término da relação, sendo ela era uma mulher sedutora, que levava homens a loucura. Grande parte da população comemorou o julgamento e, em
nome da mesma honra que justificou a morte Ângela, seis maridos mineiros assassinaram suas mulheres em 1980. Diante do quadro, o movimento feminista cria a campanha “Quem ama não mata”, que, combinada à mobilização social, leva à anulação do julgamento de Street, que é condenado, em 1981, a 15 anos de prisão pelo crime. Apenas nesse momento a tese de defesa da honra passa a ser questionada pelos tribunais.

Homens que tentam assassinar suas companheiras enquanto dormem, homens que não aceitam o término da relação… Maria da Penha e Ângela são apenas duas mulheres entre tantas outras brasileiras. No ano de 2017, 13 mulheres foram assassinadas por dia, sendo que em 28,5% dos casos as mortes foram dentro de casa (Atlas da Violência, 2019, IPEA/FBSP), e, em 2018, 536 mulheres foram vítimas de
agressão física a cada hora (Violência Visível e Invisível: A vitimização de mulheres no Brasil, Datafolha/FBSP, 2019).

O que seria o papel crescente das mulheres na sociedade que tanto ameaça os homens? O direito de terminar um relacionamento? De não ser estuprada pelo companheiro? De pagar as próprias contas? Ou seria apenas o direito de existir? As mulheres são agredidas, insultadas, estupradas e mortas porque os homens acreditam poder. Nossos corpos e nossa existência deveriam, nessa lógica, estarem à mercê da vontade e da autoridade masculina.

A fala do ministro condiz com o governo do qual faz parte, no qual as mulheres são sujeitos de segunda categoria. Sua ministra da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos afirma que as mulheres devem obediência ao marido. No mesmo sentido, seu presidente afirma que uma mulher não deveria ser estuprada por ser feia, que mulheres não devem receber o mesmo pagamento que homens e que sua filha é resultado de uma fraquejada. O governo, bem como seus representantes, diz da nova ordem que vem sendo imposta, racista, classista, homofóbica e machista. Nessa ordem, o recado de Moro é o de seu governo: sejam dóceis, violentadas, não provoquem, não pensem e não reajam.

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  • Lívia de Souza

    Feminista, doutora em Ciência Política, mestre em Direito e pesquisadora no Grupo Violência, Gênero e Saúde, na Fiocruz...

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