Minhas queridas, querides e queridos, às vésperas do Carnaval passo aqui para lembrar todas, todes e todos vocês que este será o 1º ano em que o popular “assédio” se tornou crime.

Agora aquela “cantada” agressiva, aquela “passada de mão”, aquela “encoxada” e aquele beijo sem permissão tem um nome próprio, se chama: importunação sexual.

A importunação sexual foi incluída no Código Penal por meio da Lei nº 13.718/2018, que acrescentou o tipo penal inscrito no art. 215-A, que diz:

“Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”.

Como pauta dos movimentos sociais, especialmente os movimentos feministas, que lutam pelas liberdades sexuais, acredita-se que este tipo penal possa ser ao longo do tempo o descerramento da cortina da invisibilidade.

A dita importunação sexual é a nominação para aquelas violências sexuais cotidianas sem violência aparente em que as mulheres passam – nas ruas, no transporte coletivo, nos bares e, especialmente, nas festas populares.

O corpo da mulher, quando exposto no cenário público independente da vestimenta (por mais incrível que ainda possa parecer), continua sendo tratado como uma mercadoria, um pedaço de carne, à disposição dos homens – em sua maioria homens heterossexuais.

Nós Mulheres, no pacto desta sociedade patriarcal, ainda somos um objeto de interesse sexual do homem, que, aliás, quando comprovada honestidade e pactuada a relação pelo matrimônio, de objeto passamos a patrimônio. Não consigo me convencer do contrário, que por mais amor e respeito que haja na relação, o casamento ainda é um pacto de fidelidade com vistas à segurança patrimonial.

Mas voltando ao objeto deste amontoado de palavras, já sabemos que pela nossa experiência não basta um crime ter seu devido nome. No campo concreto, para que um crime possa ser devidamente denunciado e processado penalmente, precisa ter alguns elementos essenciais como: o ato libidinoso, a vítima e a autoria (o autor do crime), sem estes elementos de nada adianta, pois, quando não registrado em flagrante delito, aquele “boletim de ocorrência” morrerá à minguá na delegacia.

Digo isso, pois achamos um avanço ter um crime que (supostamente) possa ser um freio aos abusos sobre nossos corpos sem o devido consentimento, onde até então havia um vácuo legislativo e tornava a reproduzir o que no campo da criminologia denominamos de “dupla vitimização”, quando da ausência de um tipo penal específico, e acabava numa gambiarra com as contravenções penais, referente à paz pública:

Decreto-Lei n. 3.688/1941, art. 40. “Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembleia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave. Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis – sem grifo no original e registra-se que a lei não passou pelas reformas monetária e ortográfica.

Mesmo para o registro em flagrante delito, necessitamos da descrição do fato e do reconhecimento do agressor (os indícios suficientes de materialidade e de autoria do crime).

Pergunto a uma pessoa em sã consciência: como uma Mulher em meio a uma festa de carnaval, dançando no fervo da multidão, consegue conter um homem que viola seu corpo e ainda assim produzir provas de que houve o ato libidinoso para proceder o registro de ocorrência após o fato?

Na minha opinião temos aqui mais um tipo penal, no rol dos crimes sexuais, que embora seja necessário, é de complexa materialização. Digo, difícil produção da comprovação para efeitos de processo penal, especialmente nos espaços de grande concentração de pessoas.

O alerta à reflexão é que muito embora tenha sido estabelecido o tipo penal, e isso soe como um respiro de paz à liberdade sexual das Mulheres (aqui falo sobre a incidência da norma penal, destinada especialmente às Mulheres cis e transexuais), é irrefutável – e cotidianamente comprovado na prática –, que o estabelecimento de uma regra (especialmente uma lei penal) não altera (ao menos de imediato) o processo cultural de um grupo social. Traduzindo, não é porque há agora a importunação sexual, com pena prevista, que estaremos livres desta violação.

O Código Penal não faz com que as pessoas deixem de cometer crimes, ao contrário, ele estabelece a reprimenda diante da violação não aceita socialmente; ataca suas consequências, jamais suas causas.

A existência de crimes desta natureza – crimes sexuais como um todo – diz mais sobre a estrutura de sociedade patriarcal, machista e misógina, e sua reprodução naturalizada na formação do senso comum e pela opinião pública, em que as mulheres continuam sendo divididas pela moral sexual vigente – entre vadias e honestas, do que um mero freio legal sobre a conduta do agressor.

O “remédio” para este mal (social) não está na punição, mas nos processos de educação de uma sociedade justa e igualitária, bem como nas lutas pelo fim dos modelos de sociedades sustentadas no patriarcado (sem desmerecer todas as demais lutas anticapitalistas).

Mas enquanto este processo em curso não alterou a cultura de violências contra as mulheres e violências sexuais (a dita “cultura do estupro”), deixo aqui algumas orientações (válida também pra todos e quaisquer situações de violências e cometimento de crimes):

  1. Primeiro de tudo: cuidem-se Meninas e Menines (!!!);
  2. Todas aquelas dicas de segurança dadas pelas Mamães continuam válidas: saia tão somente com a quantia necessária de dinheiro em espécie, carteira de identidade, identificação de plano de saúde, e, se for o caso, apenas 1 cartão bancário;
  3. Se possível vá às festas acompanhada/e, utilize trajetos seguros (quando houver);
  4. Partilhe sua rota com as pessoas de confiança quando da utilização de motoristas por aplicativo;
  5. Não beba no copo de pessoas desconhecidas ou não confiáveis, além de não saber qual o tipo de bebida alcoólica e como irá reagir no seu organismo, o “boa noite cinderela” é mais comum do que imaginamos;
  6. Não socialize todas e quaisquer outras drogas – lícitas ou ilícitas, com pessoas fora do seu círculo habitual de confiança;
  7. Consumo de drogas ilícitas, mesmo não sendo crime (falando genericamente!), pode gerar um Termo Circunstanciado – o famoso TC, caso seja enquadrado consumindo publicamente e gerar vários problemas (de natureza social, econômica e jurídica);
  8. No caso de importunação (ou qualquer outro tipo de violência sexual), se estiver com seu celular na mão e se este ato não for causar ainda mais risco, filme ou fotografe a cena do crime e o agressor, a fim de que seja identificado após;
  9. Se estiver em meio ao aglomero, em lugares fechado ou escuros, busque abrigar-se em um espaço de segurança, para então tomar as medidas necessárias, como ligar para os serviços de urgência e emergência;
  10. Caso possível, busque um agente de segurança (público ou privado, a depender de onde estiver) e relate os fatos, mesmo que não tenha sido possível identificar o agressor;
  11. Casos graves devem ser comunicados de imediato às autoridades públicas – seja polícia militar ou polícia civil, bem como um/a advogado/a de confiança para acompanhar os procedimentos o quanto antes;
  12. Tenha em seu celular os números de discagem de emergência acessíveis, bem como o número do familiar ou amigo para contato imediato;
  13. Em casos onde houver agressões físicas, que podem deixar marcas, é imprescindível que se façam os procedimentos de registro de ocorrência e exame de corpo de delito, junto ao respectivo órgão de medicina legal;
  14. Caso não haja este serviço em caráter de plantão, fotografe as marcas de seu corpo;
  15. Por fim, divirtam-se!

Aos homens e meninos de plantão:
-Respeitem as Minas, as Manas, as Monas, as Sapas, as Bi e as Trans!
– A folia é para todas/es/os e quando Ela disser NÃO, Ela de fato está negando sua investida, por isso não insista, parta para outra!
– Quando Ela diz SIM, invista com respeito até a hora de saber também parar.
– A bebedeira não justifica e não autoriza qualquer ato de violência.
– Ainda, use caminha sempre!

Beijos nos corações e sejam feliXes!

Assinado Dani FeliZ.

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  • Daniela Felix

    Mulher, feminista, comunista e militante de Direitos Humanos. Mestre em Direito PPGD/UFSC. Advogada Popular. Articulador...

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