Lá, bem no comecinho do meu trabalho com Desenvolvimento de Pessoas, recém-formada, gostava muito de realizar uma dinâmica de grupo chamada “A história de Marlene”. Eram acomodadas numa sala pessoas de uma mesma organização e de um mesmo setor. Com formações e objetivos parecidos, portanto.

A dinâmica era assim: contava a história e depois pedia pra que eles classificassem os cinco personagens em ordem decrescente, de acordo com a sua admiração pelo mesmo. Era uma história de indecisão, de gente lutando por direitos, de gente sendo profissional, e com uma só mulher como personagem. A Marlene.

Depois eu os convidava a unirem-se em dupla e tentar chegar num consenso sobre a classificação dos personagens, quando isso acontecesse, reuniam-se em quatro e depois e depois e depois até que chegássemos a dois grandes grupos que iam defender suas posições um ao outro para fecharmos com uma só classificação.

Ora, ora, pensem nas cenas…

A Marlene sempre era a mais odiada, e ela só queria ser feliz. E a briga era grande, uns achavam um personagem um verdadeiro trouxa, outros defendiam que ele era o cara mais legal do mundo, uns achavam um outro um déspota, outros, ah, outros diziam que o cara era mesmo é obstinado e o invejavam.

E assim seguia o processo. Eu observava as reações, os argumentos e, muito importante, não respondia a mais nada sobre os personagens depois de ter lido a história. A interpretação era por conta de cada um.

Sempre chegávamos aos dois grupos finais, não sem um monte de gente de cara amarrada e descontente, mas chegávamos. E era nessa hora que a coisa ficava mais feia ainda. Gente querendo mudar de grupo, gente irritada, votos vencidos profundamente tristes, gente defendendo sua ideia como se ela valesse uma passagem com acompanhante e demais despesas pagas para uma semana em Paris.

Aí eu intervinha. E tentava mostrar a todos o que estava acontecendo. O quão enlouquecidos eles estavam por uma coisa que não iria afetar em nada as suas vidas, o quão desrespeitosos, preconceituosos e cabeça dura eles podiam ser com um colega que apenas tinha uma opinião diferente. O quão inflamados, prontos e inconsequentes em julgar.

O julgamento, minha gente, o julgamento nos brota de rodo de algum lugar do nosso corpo que não é o coração, a todo o momento, por toda situação e gente, não é mesmo?

Maldito hábito esse de julgarmos as pessoas rapidamente. Porque o fulano fez isso, deve ser um babaca. Porque a fulana fez aquilo deve ser uma ordinária. Tudo de acordo com o nosso ponto de vista que, convenhamos, nem sempre está certo.

E o fulano e a fulana ali do nosso lado convivendo conosco diariamente. E a gente trocando sorrisos com eles como se nada fosse nada. E, na maioria das vezes, o mesmo comportamento também presente do outro lado. Que teatro essa vida, hein?!

Enquanto não prestarmos mais atenção às coisas por trás das coisas, aos motivos, às dores e limitações das pessoas, estaremos mesmo numa peça de segunda, protagonizada por atores que falam cada um a sua língua. Que confusão!

E o mais engraçado é que tudo que queremos é ser compreendidos. Mas na hora de compreendermos os outros…
Sabe, tem gente que até não faz muito por merecer mesmo. Mas, se tem alguém do seu lado que você detecta algum potencial de boa convivência, vai lá, tenta. Use o famoso “olhe com outros olhos”. Você pode se surpreender.

Agora imaginem se ao invés da história da Marlene eu contasse a história de certo processo político (absurdo, reconheço, segundo o meu ponto de vista, mas ainda assim é só o meu ponto de vista, apesar de encontrar respaldo em gente muito bacana e honesta.) que anda acontecendo em um país da América do Sul, o maior deles. E os pedisse também para classificar os personagens. Não ficava mais ninguém vivo pra tocar a organização depois…

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  • Ana Lucia Fernandez

    É graduada em Administração e especialista em Psicologia Transpessoal. Fã incondicional do ser humano, (tanto que gerou...

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