Gostaria de aproveitar este espaço, e neste primeiro momento apresentar-me. Sou uma jovem mulher lésbica, cientista social e casada. Milito no movimento social de mulheres e LGBT sob uma perspectiva de ação feminista. O auto reconhecimento de minha orientação sexual e minha constituição como sujeitx politícx se deram num processo quase que concomitante e isso (a possibilidade latente de vislumbrar a construção de um mundo mais justo e menos opressor) é que dá sentido e também resistência a minha própria vivência de mulher lésbica.

Digo isto, pois esta vivência (minha e de muitas mulheres, lésbicas ou não; jovens ou não) torna a percepção dos espaços em que vivemos peculiar. O Ser, o estar, o permanecer e o continuar de nós mulheres não é simples, nem tranquilo, nem seguro, nem natural em todos os lugares. Muito por que o lugar da mulher é um espaço historicamente dado, construído e reforçado por valores e práticas, mas também e, sobretudo pela própria organização e gestão do urbano (ou rural). Nem o sufrágio, nem a escolarização, nem a entrada no mercado de trabalho, nem o divórcio, nem tantas conquistas do ultimo século nos tirou do lugar subjugado que aprisiona nosso maior patrimônio: nosso corpo.

Moro em Florianópolis (sou paulista) há quase cinco anos e toda a imagem que sempre tive da cidade fora aquela vendida lá fora: receptiva, amiga, bonita, mágica. A verdade é que o cotidiano nos mostra outra realidade, pois por trás de belas praias e paisagens, longe dos Beach Clubs e nas costas dos belos condomínios de luxo esta Floripa não se faz nenhum pouco amigável. Vivenciamos uma cidade que nega as diferenças de seus cidadãos e afasta para o alto dos seus morros as negras e os negros que constroem sua história; em meio aos seus inúmeros encantos, Florianópolis na verdade é palco de pelo menos 20 registros diários de violência contra mulheres; e, apesar do título internacional de gay friendly esta cidade apedreja até a morte gays em parques públicos e violenta, nas areias de suas praias, casais de lésbicas.

Como boa parte das cidades turísticas por aí a fora o “Planejamento Estratégico Urbano” de Florianópolis mercantiliza a cidade transformando-a, então, em coisa a ser comprada e vendida, tendo como alvo um público claramente determinado e específico, aquele do qual é amiga. Floripa é amiga, de corpos saudáveis, brancos, preferencialmente masculinos e heterossexuais; mas em especial, Floripa é amiga de quem a consome temporariamente e entorpece-se, sem preocupações, em sua magia.

Quando chega o outono nos deparamos cara-a-cara com nós mesmos. Com o assédio dos ônibus lotados e nos consultórios médicos, com o fechamento de hospitais e o cancelamento de atividades culturais, com a morte de ciclistas no trânsito e com a maioria das escolas amordaçadas pela fé de poucos.

E nós mulheres nisso tudo? Querem-nos belas, recatadas e do lar; mas resistimos, por nós e por todas. Somos muitas, somos Catarinas!

 

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  • Carla Ayres

    Carla Ayres é mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos e doutora em Sociologia Política pela U...

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