Recuperada um pouco das energias consumidas no processo eleitoral mais desgastante, triste e preocupantes da minha história e, por certo, de 61% da população brasileira, precisamos falar de presente e de futuro.

Não sou analista política e econômica, o que posso às vezes me atrever é ensaiar algumas críticas a partir do campo jurídico-político, mas não é o que pretendo agora neste espaço. O que quero aqui é falar sobre a relação de amor e ódio, especialmente da insegurança que nós, Mulheres, estamos sentindo com relação aos nossos corpos e às nossas vidas cotidianas.

Desde o resultado eleitoral catastrófico presenciei um movimento das esquerdas e de grupos sociais no sentido de repensar o uso dos espaços virtuais, da busca de informações sobre seguranças, da saída massiva das redes sociais, dos controles das páginas. Muitas pessoas, inclusive, estão se autocensurando em postagens e comentários.

Nada disso é sem razão, uma vez que experiências ditatoriais pretéritas nos mostraram a dor e o impacto da censura, das violências e da morte. A dor geracional que ainda sangra, a literatura histórica que nos dá indícios de que algo muito ruim pode ser colocado em nosso horizonte, coloca o futuro em suspenso, de certa forma paralisante.

Não sem razão também é a insegurança econômica e jurídica com os resultados da já em vigor reforma trabalhista e a – em breve – reforma previdenciária, que atinge e atingirá em média 80% da população, de forma direta e indireta.

A vitória nas urnas – e aqui não está se discutindo a quantidade de crimes cometidos durante o processo eleitoral, que, ouso dizer, nunca serão devidamente apurados e seus responsáveis punidos com os rigores da lei –, é a chancela da continuidade do Estado de Exceção que se inicia lá em 2014, marcado pela deposição da então Presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, e pela prisão política do Ex-Presidente Lula. Para além, é um projeto de extermínio do pouco de “bem estar social” conquistados pelas classes trabalhadoras, subtrabalhadoras, não trabalhadoras, movimentos e grupos sociais de mulheres, negras e negros, indígenas, quilombolas, historicamente excluídos dos pactos humanitários e de cidadanias, por via de políticas públicas que são o objeto e objetivo de um Estado que se pressupõe democrático.

A democracia, para além do seu conceito formal, acontece nos campos de lutas sociais enquanto mecanismo que nos assemelha nas oportunidades de ser e estar no mundo. É por isso que incomodamos tanto e, também, por isso que o medo é colocado como a forma de dominação de nossos corpos, mais frágeis que os brutos donos do sistema.

A opressão pelo medo é hoje o mecanismo de controle social que se aponta como Política de Estado, e é este ponto que quero sublinhar aqui.

Presencio, mesmo que na minha pequena “bolha”, a construção de um mecanismo de controle paralelo permeado pelo afeto.

O que vejo brotando com o slogan Ninguém solta a mão de ninguém”, é uma força de resistência que só tem feito florescer o diálogo entre aqueles que se reconheceram como semelhantes neste longo e doloroso processo de luta. Nunca o afeto foi tão declarado, tão explicitado, tão abraçado mesmo entre pessoas que, quando muito, trocavam tão somente apertos de mão.

Vejo aflorar reconhecimentos por sorrisos, por olhares.

Vivencio as construções de redes em que nossas amigas militantes tomam conhecimento da vida e do cuidado umas das outras. Nossas empatias são muito maiores do que fazíamos supor.

Tenho participado de diálogos, de reflexões sobre as realidades e de trocas de experiências na busca de saídas coletivas, de forma pacífica e convergente, mesmo com as diferenças de posições políticas, idades, credos, bases sociais.

Penso que o medo impingido pelos opressores que ocupam (e ocuparão) o poder, pode ter trazido uma grande preocupação, mas por outro lado esta preocupação tem gerado uma reação oposta em que o respeito, o cuidado e o afeto são a tônica. Lindo de viver.

Deste curto espaço de tempo e da geografia que habito, não escuto outra ordem que não a de RESISTÊNCIA, pois enquanto ferirem as nossas existências, estarmos em lutas, não tenhamos dúvidas disso.

Torno a repetir nosso imperativo que NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM, pois o calor da proximidade e a segurança dos braços dados me enche de amor e esperança, que é o combustível às minhas tantas lutas!

 

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  • Daniela Felix

    Mulher, feminista, comunista e militante de Direitos Humanos. Mestre em Direito PPGD/UFSC. Advogada Popular. Articulador...

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