Se feministas estivessem à frente da CPI da Covid, senadores não precisariam protestar por direito à fala. O feminismo não pretende reprodução de opressões. Paridade e equidade são valores que conduzem nossas ideias e práticas. Teríamos todas e todos voz e vez.

A forma e o conteúdo receberiam mais atenção e cuidados. Podemos compreender que há um esgotamento generalizado, e que a reação mais imediata de que vem sofrendo há mais de um ano com tantas ausências, tende a ser a de devolver na mesma moeda, com a mesma ignorância e truculência praticadas pelo governo federal e seus representantes. No entanto, a manifestação violenta das interpelações alimenta um círculo nada virtuoso de manter o campo político como um campo de manifestação beligerante de poder.

Há quem diga que o atual governo só responde a esse estímulo, sob o signo das ameaças. Pode até ser, mas essas manifestações de força física, além de violentas, desviam do objeto central, que é a investigação das respostas à covid-19, personalizam o inquérito em embates pessoais e nada relacionados à pandemia e suas vítimas e, pior, nivela situação e oposição em violência. Nada mais antidemocrático que fazer da Casa Alta do Congresso uma rinha de galos. Uma condução feminista jamais abriria precedentes para uma deturpação tão grotesca das liturgias previstas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Em uma condução feminista da CPI, os impactos da pandemia sob perspectiva de gênero, raça e classe seriam explicitamente endereçados, seriam prioritários. Não há como pensar o enfrentamento à pandemia, que afetou a sociedade como um todo, apenas da perspectiva da saúde. Auxílio emergencial, abastecimento de água, saneamento básico, maior letalidade da população negra e pobre, todas essas questões teriam sido priorizadas logo nas primeiras semanas. Se são as mulheres, pessoas negras e pobres a mais vulneráveis à doença, são as questões sobre elas que deveriam ser primeiramente sanadas.

Se a CPI da Covid fosse conduzida por mulheres feministas, haveria hora para começar, para pausar e para terminar. Feministas na política reconhecem a importância do cumprimento dos horários razoáveis para que todas as pessoas tenham condições dignas de participar. Passar da hora prevista significa sobrecarregar toda uma estrutura dos cuidados domésticos, e a gente sabe que, na maioria dos casos, quem assume essa carga extra são outras mulheres. Além disso, sabemos também que cargas excessivas de trabalho e, supostamente, descontroladas como estas, são fatores que afastam mulheres da ocupação de cargos políticos.

Se a CPI da Covid fosse conduzida por mulheres feministas, isso significaria que mulheres no Senado seriam líderes de seus partidos, talvez estivéssemos até em situação de paridade. Quem sabe até, nem precisaríamos de uma CPI da Covid, pois com mais feministas no poder, não teríamos passado pelo que passamos. Há de se lembrar que 3 dos 5 países que melhor conduziram respostas à pandemia são liderados por mulheres.

Está muito difícil lidar com a realidade. Estamos enfrentando um processo de dor e luto generalizado, tristeza habita o inconsciente coletivo e nossas vidas cotidianas, de forma cada vez mais intensa e insuportável. É nesse contexto de brutalidade que a gente faz um convite à inventividade. Importante que a gente não se distancie irreversivelmente da nossa capacidade de imaginar, desejar saídas e desdobramentos melhores para nós, para o nosso país e para o mundo.

Hoje é uma nostalgia fantástica imaginar como seria se tivéssemos votado diferente em 2018, se tivéssemos conduzido feministas ao poder. No mosaico do Meu Voto Será Feminista de 2018 havia sete candidatas ao senado federal, nenhum foi eleita. Imagina só se Eugenia Lima (PE), Duda Salabert (MG), Ideli Salvati (SC), Úrsula Vidal (PA), Silvia Ferraro (SP), Vanessa Grazziottin (AM) e Jacque Parmigiani (PR) estivessem hoje senadoras, compusessem a CPI da Covid. Daqui para 2022, podemos fazer dessa imaginação, um plano de ação, de organização pela eleição de feministas em todas as esferas de poder executivo e legislativo, estaduais e federais. 

A perspectiva de gênero da Pandemia

O Instituto AzMina tem produzido coberturas das sessões da CPI da Covid e organizou, de forma bem didática, como deveriam ser abordadas as questões de gênero. A reportagem “Porque devemos falar de gênero na CPI da Pandemia” você acessa aqui.

Ranking Mundial de Resiliência à Covid-19

Elaborado e atualizado pela Bloomberg, ranking demonstra os países que melhor desenvolvem respostas de resiliência à pandemia. O ranking é composto pela combinação de três indicadores: taxa de fatalidade, taxa de detecção e cobertura vacinal. Interessante observar que não adianta apenas ampliar a cobertura vacinal para que haja redução na fatalidade, é preciso integrar detecção e imunização.

O país que mais se destacou em abril, Singapura, desbancando pela primeira vez a Nova Zelândia da liderança do ranking, abordou com a mesma intensidade, estratégias de testagem e imunização. Singapura é liderada por uma mulher, Halimah Yacob. Nova Zelândia, em segundo lugar, também, Jacinda Ardern. Taiwan, em quinto lugar, é liderada por Tsai Ing-wen, mulher. Três dos cinco países mais resilientes à Covid-19 são liderados por mulheres. O ranking completo você acessa aqui.

Para não perder do horizonte

A pandemia tem revelado com ainda mais força o impacto da falta de representatividade das mulheres na política institucional e nos processos decisórios. Paridade e equidade política não podem nunca sair da nossa agenda de luta. São processos que levam tempo e que por isso, mesmo, são urgentes. Juliana Romão, cofundadora do Meu Voto Será Feminista escreveu sobre o assunto em um artigo publicado no Congresso em Foco: “Das cotas à paridade na política: lições da América Latina para o Brasil

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