Brasília, 08 de janeiro de 2023, organizações criminosas terroristas que acampam em frente a quartéis desde 1 de dezembro de 2022, financiados e coordenados por segmentos empresariais ruralistas armamentistas e fundamentalistas, com a conivência de atores políticos e a proteção das Forças de Segurança Públicas – municipais, estaduais e federais, invadiram e depredaram as Casas Legislativa, Executiva e Judiciária federal, na tentativa vil de desestabilizar o Estado Democrático e de Direito, reconquistado com muitas lutas nas urnas em 30 de outubro passado – mesmo com indícios de utilização de dinheiro público para fraudar o processo eleitoral, como já vem sendo investigado.

O objetivo destes terroristas – sim, terroristas. Não existe no direito processual penal outro pronome de tratamento para estes cidadãos e cidadãs que participaram e participam de atos “quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” (cf. art. 1º. da Lei n. 13.260, de 2016, que regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista e outras providências) – era (e é) a criação de fatos para serem identificados como protagonistas de atentados semelhantes ao Capitólio, em Washington D.C., EUA, que ocorreu em 6 de janeiro de 2021.

Os atos terroristas de 8 de janeiro já vinham sendo gestados desde a derrota nas urnas de Bolsonaro, e foram tratados com toda a cordialidade e cumplicidade pelos poderes públicos (quando não com a participação dos próprios). Toda a programação de Diplomação e Posse do Presidente Eleito foi executada com o nível de proteção máxima, obedecendo os rigores máximos de inteligência e tecnológicos para garantir a integridade de Chefes de Estado e Autoridades, especialmente à Comitiva Presidencial, o que se pode supor que toda a Segurança Pública do país estava ciente da possibilidade de ataques orquestrados por esses grupos.

Da mesma forma, sabe-se que Bolsonaro saiu do poder, mas deixou um “movimento bolsonarista” enraizados em todos os setores públicos e privados no país, que segue sendo alimentado nas redes sociais e aplicativos de mensagens pelo “gabinete do ódio”.

Ou seja, todas as previsibilidades e evidências desses atos estavam ali à mostra, inclusive à disposição para todos os novos Ministros empossados.

Medidas preventivas? De inteligência? Cooperação na Segurança Pública?

Nenhuma.

Feito o grande estrago, terão agora como única medida remediar, via intervenção federal, com as corporações e Forças Armadas totalmente cooptadas pelo bolsonarismo (incluindo aí o próprio Ministro da Defesa).

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Superadas essas breves análises, meu olhar se volta aos protagonistas da barbárie em questão, cidadãos e cidadãs majoritariamente brancos, classe média, aposentados, pensionistas ou massas acríticas por eles financiados, ou, como dito antes financiados por setores empresariais, ruralistas ou religiosos. Pessoas que se [auto]denominam “cidadãos de bem” e “mulheres honestas” (como ironizamos no campo da Criminologia Crítica: o casal perfeito), defensores da família tradicional brasileira, que foram autorizados, sem qualquer resistência eficaz, a invadir o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto e, além dos tipificados na Lei de Terrorismo, cometeram crimes de dano qualificado, lesões corporais, invasão de propriedade pública e muitos outros estabelecidos nas leis penais.

Em anos de pesquisas, observações e atuações em atos de lutas por direitos no Brasil, sempre descrevi e constatei as diferenças de tratamentos das forças de segurança pública quanto ao público e às pautas levadas às manifestações de ruas.

Já virei noites em plantões de delegacias acompanhando prisões de militantes, em sua maioria estudantes secundaristas e universitários, presos em flagrante por desacato (tipo penal já descriminalizado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive), resistência, dano qualificado (por queima de um cone de trânsito da Guarda Municipal), pichação (de vidraça de banco privado com tinta guache), lesão corporal (sendo a estudante, uma menina de não mais de 50kg acusada de atirar um paralelepípedo de mais de 150kg), dentre tantos outros absurdos e violências que vi e vivi na defesa do Estado Democrático de Direito.

Podemos lembrar ainda de vários casos emblemáticos da nossa história recente, que marcam a truculência das Forças de Segurança Pública a manifestantes: as agressões na Greve dos Professores de Curitiba; as Prisões de Manifestantes, erroneamente acusados e investigados como se “Blackblocks” fossem, no Rio de Janeiro; e, também no Rio, a prisão em flagrante e condenação de Rafael Braga, que próximo a um ato que não participava, mas portava ‘pinho sol’, que fora considerado pela perícia, material explosivo.

Estes poucos exemplos como comparativo nos possibilitam uma enormidade de considerações e conclusões – muitas delas deixo como tarefa aos e às leitoras, pois o que quero analisar aqui é a “imunidade ao Sistema de Justiça Criminal” dessas pessoas que protagonizaram os atos terroristas de 8 de janeiro.

Segundo a “Teoria do Etiquetamento” (labelling approach), a ‘conduta desviada’ e a criminalidade não estão diretamente relacionadas na aplicação da lei pelos organismos de controle social formais e informais (polícias, ministérios públicos, judiciário, escolas, igrejas, meios de comunicações, dentre outros), mas sim opera-se um sistema complexo de qualidades atribuídas a determinados sujeitos socialmente selecionados (aqui entra o controle social de classe, raça, etnia, identidade de gênero, etc.) a quem serão distribuídas as etiquetas e rótulos de criminosos e grupos de riscos.

Melhor dizendo, “Uma conduta não é criminal ‘em si’ (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências de seu meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a definição’ legal de crime, que atribui à conduta caráter criminal, e a ‘seleção’ que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas (…) Por isso, mais apropriado que falar em criminalidade (e do criminoso) é falar da criminalização (e do criminalizado), e esta é uma das várias maneiras de construir a realidade social” (Andrade, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 41).

A compreensão da teoria do etiquetamento explicita a seletividade do Sistema de Justiça Criminal, que opera enquanto controle social de grupos sociais indesejados e de proteção às classes dominantes, sejam elas políticas ou econômicas, demonstrando que existem grupos sociais que estão imunes ou passam impunes ao filtro da criminalização, e por isso ultrapassam barreiras físicas das polícias, ingressam livremente no prédios públicos sob a conivência de quem deveria proteger as Instituições (aliás, são pagos para isso), destroem em frente a câmeras de monitoramento e de transmissões ao vivo o patrimônio público, tombado e histórico e cultural na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e nada acontece (ou acontecerá?). Seguem imunes e impunes, mesmo sendo flagrados querendo a destituição e destruição do Estado Democrático de Direito com argumentos e práticas nazifascistas.

Poucos serão presos (mesmo que tenham conduzido mais de 1,2 mil pessoas à Sede do Departamento de Polícia Federal) e condenados por tais atos como “medida exemplar” e “rigores da lei”. Aos ou às condenadas sabemos que uma condenação penal pouco servirá como medida reeducativa. Sabemos que o cárcere nunca reeducou ou ressocializou qualquer pessoa que seja, são estabelecimentos de mera contenção, depósito de gentes, mas ante a gravidade dos crimes, o Sistema Prisional e Penitenciário é a resposta que temos.

Todavia, grande parte dos Terroristas de “verde & amarelo” de Brasília de 8 de janeiro de 2023 seguirão dizendo que são “cidadãos de bem” e “mulheres honestas”, defensores da família e da vida, suas fichas criminais seguirão sem qualquer mancha e suas ideologias seguirão nos assombrando.

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  • Daniela Felix

    Mulher, feminista, comunista e militante de Direitos Humanos. Mestre em Direito PPGD/UFSC. Advogada Popular. Articulador...

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