O Brasil foi considerado um dos países com maiores índices de pessoas ansiosas no mundo em 2021, com 9,3% da população afetada por esse transtorno, conforme estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2022. A ansiedade pode estar relacionada a diversos fatores de saúde mental, por isso a importância de conhecê-los separadamente para enfrentá-los enquanto sociedade. 

No leque desses problemas a dependência emocional tem ganhado destaque, embora ainda pouco se conheça sobre ela e sua manifestação no cotidiano. Nossa curiosidade pelo tema nos levou a buscar mais informações e a conversar com duas pessoas diretamente ligadas a essa questão: uma psicóloga, que nos ajudou a entender por meio da visão profissional, e uma jovem que vivenciou esse tipo de dependência. 

O que é dependência emocional? 

A dependência emocional é a necessidade em estar exageradamente próxima a outra pessoa para se sentir bem. Geralmente a pessoa que passa por essa experiência tem baixa autoestima, uma vez que esse é um dos principais fatores para que a dependência emocional venha a aparecer. 

Porém, há ainda outras questões que fazem com que a pessoa passe a depender emocionalmente do outro, acreditando que essa é uma característica das relações de afeto, como explica a psicóloga Letícia Fernandez, com quem conversamos para a produção desta matéria.  

A psicóloga Letícia Fernandez ainda nos explica sobre a dependência emocional relacionada ao apego excessivo, assim como a necessidade de uma outra pessoa para a validação da sua existência. 

Entrevistamos também uma jovem estudante, de 23 anos, a qual vamos chamar de Jaqueline para preservar sua identidade. Ela se sentiu afetada pela dependência emocional em relacionamento amoroso, que durou dois anos.

“Eu acabei me afastando dos meus amigos e da família. Minha prioridade era o relacionamento, e eu não tinha tempo ou energia para outras pessoas. Isso fez com que muitos amigos se sentissem deixados de lado, e algumas amizades acabaram esfriando”, conta Jaqueline.

Para saber mais sobre o tema, detalhamos a entrevista realizada pelo grupo com a psicóloga. Confira!

Grupo – O que é a dependência emocional na visão da psicologia? 

Psicóloga – Tentando simplificar o máximo, a dependência emocional é quando a pessoa sente que precisa de outra muitas vezes por validação, sente necessidade o tempo todo de estar junto, dificilmente consegue ficar sozinho, gerando um apego excessivo. 

Grupo – Quais são os primeiros sinais e como ela pode surgir?  

Psicóloga – Olha, logo no início é um pouco difícil de se perceber, porque pode ser confundido por muitos como “tal pessoa ama muito a outra, quer estar o tempo todo junto”. Mas, na verdade, pode ser o início de uma dependência. Estar sempre grudado e se sentir incompleto ou sem rumo quando não se está junto é um sinal, assim como a insegurança excessiva, o medo do abandono e a dificuldade em tomar decisões próprias.

Outro ponto importante a se saber é que muitos casos de dependência emocional são desencadeados por antigos relacionamentos ou problemas na infância, situações que causam, na maior parte das pessoas, insegurança excessiva. 

Grupo – As pessoas que têm a dependência a percebem? 

Psicóloga – Na maior parte das vezes, não, normalmente a pessoa nem se dá conta de que tem algo errado acontecendo, e nem chega a refletir se as atitudes dela podem demonstrar uma dependência

Grupo – Posso ajudar alguém próximo a mim a reconhecer que tem dependência ou 

esse é um processo que tem que surgir sozinho? 

Psicóloga – Pode ajudar sim, mas é uma situação bem complicada, às vezes as pessoas com dependência emocional se fecham para o que acontece ao redor delas. Por isso, é fundamental que essa conversa seja feita com empatia e tranquilidade, para que não ocorra nenhum outro problema. Mas mesmo com aconselhamento, o interesse de mudar é único da pessoa.

Grupo – Como a pessoa pode buscar ajuda ao reconhecer que está passando por uma dependência? 

Psicóloga – A terapia é a principal opção, os psicólogos buscam entender primeiramente as raízes desse problema, para poder ser tratado da forma ideal. 

Grupo – A dependência emocional pode acarretar outros problemas psicológicos?

Psicóloga – Com certeza, a dependência emocional pode fazer você desenvolver diversos outros problemas, como a ansiedade e a depressão. Sempre brinco que a dependência nunca vem sozinha, ela é realmente dependente, até de outros sentimentos. A ansiedade, por exemplo, pode surgir devido à insegurança e ao medo de ficar sozinha, sendo do nível mais leve ao nível mais avançado. 

Grupo – Qual a diferença entre dependência emocional e ciúmes? 

Psicóloga – A dependência faz com que a pessoa não se sinta bem longe da outra, se trata de apego excessivo mesmo. Já os ciúmes, normalmente, é uma resposta, uma reação ao que pode ser uma ameaça na relação para a pessoa.

Perder um pouco de si: confira o relato da jovem que passou por uma experiência de dependência emocional 

Grupo – Como você definiria a dependência emocional em suas próprias palavras?

Jaqueline – Eu definiria a dependência emocional como essa necessidade intensa de estar com outra pessoa, a ponto de perder um pouco de mim mesma. É quando seu bem-estar emocional parece estar completamente ligado ao que a outra pessoa sente ou faz.

Grupo – Em que momento você percebeu que estava enfrentando dependência emocional? Houve algum evento ou situação específica que te fez refletir sobre isso?

Jaqueline – Eu percebi que estava numa situação de dependência emocional quando comecei a ficar ansiosa e insegura se ele não respondia minhas mensagens rapidamente. Um dia, ele teve que cancelar um compromisso, e eu fiquei tão abalada que percebi que estava colocando a minha felicidade nas mãos dele.

Grupo – Quais sentimentos ou emoções você associava à sua dependência emocional? Como isso afetava seu bem-estar diário?

Jaqueline – Sentia muita ansiedade, insegurança e até um pouco de depressão. Meu dia a dia era afetado porque eu não conseguia me concentrar em outras coisas. Estava sempre pensando nele e no nosso relacionamento, o que me deixava exausta emocionalmente.

Grupo – Como a dependência emocional impactou seus relacionamentos pessoais e sociais? Você notou mudanças em como se relacionava com amigos e familiares?

Jaqueline – Sim, eu acabei me afastando dos meus amigos e da família. Minha prioridade era o relacionamento, e eu não tinha tempo ou energia para outras pessoas. Isso fez com que muitos amigos se sentissem deixados de lado, e algumas amizades acabaram esfriando.

Grupo – Você consegue identificar algumas causas que contribuíram para o desenvolvimento da sua dependência emocional? 

Jaqueline – Acho que um dos fatores foi a minha baixa autoestima. Sempre tive medo de ficar sozinha e de não ser boa o suficiente. Além disso, o relacionamento começou com uma idealização dele, e isso me fez acreditar que eu precisava dele para ser feliz.

Grupo – Quais estratégias você utilizou para lidar com a dependência emocional? Houve alguma que foi particularmente eficaz?

Jaqueline – Comecei a me dedicar mais a hobbies e a fazer atividades sozinha, como ler e praticar esportes. A terapia também foi muito importante, ter alguém para conversar sobre meus sentimentos e inseguranças me ajudou a entender melhor a situação.

Grupo – Você buscou ajuda profissional ou apoio de amigos e familiares? Qual foi o papel desse apoio em sua jornada de recuperação?

Jaqueline – Sim, eu busquei ajuda profissional e conversei com algumas amigas que estavam dispostas a ouvir. O apoio delas foi fundamental, pois me ajudaram a perceber que eu não estava sozinha e que era possível sair daquela situação.

Grupo – Como você se sentiu ao começar a superar a dependência emocional? Quais mudanças você notou em si mesmo e em seus relacionamentos?

Jaqueline – Foi libertador! Comecei a me sentir mais autoconfiante e a valorizar minha própria companhia. Meus relacionamentos começaram a melhorar, porque consegui reatar laços com amigos e familiares e passei a ter uma vida social mais equilibrada.

Grupo – Quais lições você aprendeu com essa experiência? Há algo que você gostaria de compartilhar com outras pessoas que podem estar passando por situações semelhantes?

Jaqueline – Aprendi que é fundamental amar a si mesmo antes de amar alguém. Ninguém deve ser responsável pela nossa felicidade. Para quem está passando por isso, eu diria para procurar apoio e não ter medo de se afastar de situações que te fazem mal.

Grupo – Que conselhos você daria para alguém que está lutando contra a dependência emocional? 

Jaqueline – Busque entender suas emoções e não tenha medo de pedir ajuda. Foque em você, em suas necessidades e desejos. É importante lembrar que você é suficiente e que pode encontrar felicidade dentro de si, sem depender de outra pessoa.

Narrar para transgredir é uma ação do projeto “Comunicação, Saúde e Gênero – educação sexual para adolescentes de bairros periféricos de Florianópolis (SC)”, que tem o apoio da Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Últimas