Qual a relação entre fóruns misóginos na deep web e ataques a escolas?

Por Daniela Valenga

O Ministério da Justiça e Segurança Pública solicitou ao Twitter a exclusão de 161 contas que compartilharam hashtags relacionadas a ataques em escolas. Os donos dessas contas estão sob investigação.

Especialistas no assunto, como a blogueira Lola Aronovich, indicam que chats online na deep web, os chamados chans, assim como fóruns na superfície da internet, que propagam conteúdos supremacistas masculinos e brancos, estimulam jovens a atacar escolas.

Professora na Universidade Federal do Ceará que dá nome à Lei Lola contra a misoginia na internet, a blogueira feminista monitora e é alvo de fóruns como esses.

Em 2011, Aronovich cunhou o termo “mascu”, para se referir aos supremacistas masculinos que participam de fóruns e organizam redes de misoginia na internet, incentivando práticas violentas.

Mascu é uma abreviação para masculinistas “que dizem lutar pelos direitos dos homens, mas são apenas grupos de homens frustrados, organizados na sua eterna misoginia”, explica Aronovich.

Aronovich destaca o Massacre de Realengo, em 2011, quando um jovem de 23 anos entrou em uma escola municipal do Rio de Janeiro e matou doze crianças, entre elas dez meninas.

Na época, a mídia não relacionou o número de vítimas meninas como crime de ódio contra o gênero feminino.

“As justificativas para isso foram ridículas, como ‘as meninas correm menos’ ou ‘são boas alunas, então sentam na frente’, por isso morreram mais”, recorda Aronovich.

Segundo ela, o assassino virou um ícone para a comunidade masculinista. Em 2012, a Polícia Federal apontou que o atirador de Realengo obteve incentivo em um fórum online.

Também foi identificado que os autores do massacre em Suzano (SP), em 2019, participavam de fóruns online e tiveram ajuda de outros membros para planejar o ataque.

Após o ataque, o massacre foi celebrado em um fórum. “Descobriram o perfil do herói”, escreveu um dos membros.

O fórum era um “chan”, abreviação de “channel” (canal), plataforma da deep web que permite publicações anônimas e surgiu no Japão em 2000, onde o termo é usado quando há intimidade entre pessoas.

Nesses espaços, além de considerarem heróis autores de atentados, notícias sobre feminicídio ou agressões a homossexuais costumam ser comemoradas.

Os “incels” são os frequentadores mais comuns: homens celibatários, que se acham superiores a mulheres e que se definem como incapazes de encontrar uma parceira romântica ou sexual.

Em redes sociais e outras plataformas de conversas, para além da deep web, o movimento dos “incels” e da misoginia também está se espalhando.

“Em grupos como Discord [aplicativo de conversa], massacres em escolas são incentivados. Há uma espécie de competição entre eles para ver quem mata mais, quem chama mais a atenção”, ilustra Aronovich.

A blogueira feminista diz que é necessário um trabalho conjunto de monitoramento e combate a esses grupos de ódio, além da responsabilização das plataformas.

“Os pais não podem se omitir, têm que saber o que os filhos fazem na internet. E as escolas devem abrir espaços para que os jovens possam dialogar”, complementa.

Entenda mais sobre o discurso de ódio contra mulheres na Internet no Portal Catarinas.