Lélia Gonzalez: a feminista negra da Améfrica Ladina 

Diagramação por Gabriele Oliveira

Fotos: Acervo Lélia Gonzalez, Projeto Memória.

Texto por Inara Fonseca

“Eu sou uma mulher nascida de família pobre, meu pai era operário, negro, minha mãe uma índia analfabeta. Tiveram 18 filhos, e eu sou a 17”.

Lélia Gonzalez

Lélia nasceu em 1935, em Minas Gerais. Ainda jovem mudou-se para o Rio de Janeiro - onde estudou Filosofia, História e Geografia, na atual Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Na Universidade, conheceu Luiz Carlos Gonzalez, com quem se casou em 1964. A relação inter-racial foi alvo de racismo e a violência culminou no suicídio de seu esposo, no ano seguinte do casamento.

Após o fato, Lélia fez um mergulho profundo nas marcas que carregava consigo por ser uma mulher negra. Nesse momento, a psicanálise e o candomblé foram pilares (re)constitutivos de sua transformação.

“ [...] aquilo que estava reprimido, todo um processo de internalização de um discurso ‘democrático racial’ veio à tona, e foi um contato direto com uma realidade muito dura”, contou.

Lélia correu o mundo analisando as condições de exploração e opressão dos negros e das mulheres em eventos militantes e acadêmicos.

Pioneira, ela conseguiu apontar o racismo e o sexismo presentes no Brasil. Além disso, criou marcos conceituais para a compreensão da identidade brasileira, como: amefricanidade ou Améfrica Ladina.

Para Lélia, América Latina é uma construção eurocêntrica que estabelece a cultura ibérica como central. Quando ela traz Améfrica Ladina, visibiliza a constituição africana do Brasil.

Além da ancestralidade africana, amefricanidade visibiliza a indígena na formação brasileira. Através da linguagem, Lélia procura escurecer a história do Brasil, deturpada pela colonização europeia.

“Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”, questionou Angela Davis, ao visitar o Brasil em 2019.  

A atualidade de seu pensamento pode ser vista na coletânea “Por um feminismo afro-latino-americano”, que traz ensaios acadêmicos, artigos para jornais, entrevistas e palestras internacionais.

A obra reúne textos de 1975 a 1994, período de fortalecimento dos movimentos sociais e de redemocratização do país, luta em que Lélia participou ativamente.

Além de fértil vida intelectual, Lélia também teve importante atuação política. Ela participou do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras.

Lélia também participou da formação do PT, foi do PDT, atuou nas discussões sobre a Constituição de 1988 e integrou o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, na mesma década.

Em duas ocasiões, 1982 e 1986, foi candidata a deputada federal, conquistando a suplência em ambas as oportunidades.

Lélia faleceu aos 59 anos, no Rio de Janeiro, em 10 de julho de 1994, vítima de problemas cardiorrespiratórios.

“Vamos à luta, companheiros, para que a exploração e a opressão terminem nesse país. Para ser uma democracia racial, esse país precisa ser efetivamente uma democracia”.