O dia em que catarinas enfrentaram um general da ditadura

Por Paula Guimarães

30 de novembro de 1979. A inflação assolava o Brasil e a população sentia o peso dos preços em altas. Nesse cenário, a capital de Santa Catarina recebeu o general João Figueiredo, presidente do Brasil.

Enquanto a população perdia diariamente o seu poder de compra de itens básicos, o governo de SC gastava milhares de Cruzeiros com a organização da recepção ao então presidente da república.

Estudantes se reuniram nas proximidades do Palácio, onde o cenário estava montado. Um cordão de isolamento entre a Praça XV e o prédio separava a população das autoridades, policiais e crianças alinhadas para receber o presidente.

A visita a Florianópolis marcou o lançamento da campanha oficial que buscava mudar a imagem da ditadura.

“Figueiredo não gostava de cheiro de povo, era da cavalaria, gostava de cavalos, mas a mídia oficial trabalhou para ele ser bonzinho”. 

- Thaís Lippel, à época estudante de Medicina. 

Na saída do carro o beijo em uma senhora, na chegada ao Palácio Cruz e Sousa o aceno das crianças com bandeirinhas e a multidão a esperar pelo presidente.

Pelo roteiro parecia que tudo ocorreria bem até o governador não eleito de Santa Catarina, Jorge Bornhausen, dizer: “o povo de SC tem a alegria de receber o presidente do Brasil, João Figueiredo”. 

Entre a multidão alguém berra: “mentiroso”. Aberta a discordância, a manifestação –  até então posicionada nas faixas das/os estudantes – cresceu do tamanho da insustentabilidade daquele regime.

Conhecido como Novembrada, o protesto é lembrado como um dos mais expressivos escrachos públicos a um ditador.

“Novembrada foi um marco no processo da ditadura, em que ditadores não saíram impunes, publicamente levaram uma lavada”.

- Rosângela Koerich Souza, do Coletivo Memória, Verdade e Justiça.

Rosângela foi uma das sete estudantes presas por afrontar a autoridade dos ditadores do país e do estado durante a Novembrada.

Durante o período do cárcere, as ruas ferveram pela liberdade das/dos estudantes. Imprensas nacional e internacional cobriram de perto a prisão que aconteceu no período da tal transição democrática.

O jornal da Globo, na voz de Cid Moreira, chamou os presos de “setes baderneiros de Florianópolis”. Mas isso não impediu a referência positiva à coragem das pessoas que fizeram a Novembrada em Florianópolis.

“Catarinas” deram “uma surra moral no presidente”, como relatam. Essa parte histórica merece ser lembrada e recontada para que possamos aprender com a verdade e a memória. Para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça.

O contexto político que propiciou a ascensão de Jair Bolsonaro e a recente tentativa de golpe ecoam o período da repressão. Iara Hornke, da Comissão Estadual da Verdade, destaca que a narrativa anticorrupção e anticomunista fundamentaram a ditadura.

Há mais de dez anos o Coletivo Memória e Verdade atua pela garantia da Lei nº 12.528 de 2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, e pelo exercício do direito humano à memória.

O Acervo da Ditadura em SC preserva documentos que ajudam a manter viva a memória da resistência. Funciona no centro da capital, na Rua Visconde de Ouro Preto, 457. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. 

“Temos um pouco de deleite contando a história porque somos vitoriosas. Bornhausen foi derrotado. Essa ilha nunca mais foi a mesma”.

- Rosangela Koerich Souza.

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Imagens: Dario de Almeida Prado, Rafaela Martins, James Tavares, Arquivo Agecom e reprodução.