Morte materna: a omissão do Estado no acesso ao aborto legal e seguro
Por Kelly Ribeiro
O aborto inseguro segue sendo uma das principais causas de morte materna no Brasil. Ampliar o acesso ao aborto legal é parte fundamental para enfrentar essa questão de saúde pública.
Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, pelo menos 6,9 milhões de mulheres sofrem complicações de aborto a cada ano em todo o mundo.
De 2010 a 2021, de um total de 774 óbitos por aborto notificados ao Sistema de Informações sobre Mortalidade, 60% ocorreram em mulheres com menos de 30 anos. De 2020 a 2021, na pandemia, foram 49%.
O documento aponta a subnotificação de casos entre os desafios para a vigilância da morte materna. Ou seja, os números em relação ao aborto podem ser muito maiores.
Em 2022, a OMS lançou um guia atualizado em que lista mais de 50 recomendações para que o aborto seja realizado de maneira segura e preserve a vida e a integridade de meninas e mulheres pelo mundo.
A primeira medida é a completa descriminalização do aborto.
A ONU também recomendou que o governo brasileiro descriminalize o aborto e reavalie suas políticas de saúde sexual e reprodutiva, assim como de seu Código Penal.
As recomendações fazem parte das conclusões do Comitê da ONU contra a Tortura e foram publicadas em 12 de maio de 2023.
Na avaliação da ONU, o governo brasileiro deve melhorar o acesso das mulheres à saúde sexual e reprodutiva a fim de reduzir efetivamente essas taxas de mortalidade.
Ainda assim, o Brasil impõe uma série barreiras para a realização do aborto, até mesmo quando é permitido por lei, forçando crianças e mulheres à gestação, parto e maternidade.
Em um corpo imaturo e em desenvolvimento, a gravidez aumenta as chances de morte e os riscos de complicações graves — desde perda do útero até necessidade de internação em UTI .
"As complicações graves são vinte a trinta vezes maiores", afirmou Olímpio Moraes, médico obstetra e diretor do Cisam, hospital referência em aborto legal no Recife.
No Brasil, entre os nascidos vivos de gestantes crianças e adolescentes, 4,86% foram de mães de 10 a 14 anos e 95,14% de mães com idades entre 15 e 19 anos.
Os dados constam no estudo "Desigualdades raciais nas tendências da maternidade adolescente e no acesso ao pré-natal no Brasil, 2008-2019".
Ilustram esse cenário casos como o da menina (11 anos) de Santa Catarina impedida de fazer o aborto legal e o da menina (12) do Piauí, grávida pela segunda vez, que também teve o direito negado.
Por lei, menores de 14 anos que tenham sido submetidas a atos libidinosos ou relações sexuais são vítimas de estupro de vulnerável, o estupro presumido, já que não possuem capacidade para consentir.
Portanto, de acordo com a legislação brasileira, elas também deveriam ter acesso ao serviço de aborto legal.
Os dados e recomendações de órgãos internacionais evidenciam que o país precisa avançar dentro do âmbito da legalidade do aborto se tiver real interesse em diminuir as taxas de mortalidade materna.