Misoprostol:o comprimido abortivo descoberto por brasileiras
Por Daniela Valenga, com informações de Morgani GuzzoArte: safe2choose
Até meados dos anos 1980 no Brasil, mulheres das classes sociais média e alta realizavam abortos seguros em clínicas clandestinas. Já as mulheres empobrecidas faziam abortos em suas casas, usando vários recursos arriscados.
Isso começou a mudar em 1986. Uma descoberta de vendedores de farmácia e mulheres brasileiras transformou o cenário do aborto no país.
Elas descobriram que um medicamento para tratamento de úlceras gástricas, o Cytotec, era muito eficaz para “resolver situações de atraso menstrual”.
O Cytotec é o nome comercial do Misoprostol e provoca uma ação estimulante sobre a musculatura uterina, promovendo contrações.
Por isso, passou a ser contraindicado para uso na gravidez por risco de abortamento.
Como a droga era muito eficaz para “fazer descer a menstruação”, a informação se espalhou rapidamente.
Entre as mulheres de classe média, o medicamento facilitava o processo de abortamento em si, permitindo mais privacidade, promovendo menos intervenção e sendo menos traumático.
Entre as mulheres de baixa renda, o remédio foi reconhecido como um método mais seguro, que não mata, já que a referência que tinham do procedimento abortivo era com uso de métodos muito inseguros.
O aumento das vendas do Cytotec chamou a atenção de pesquisadores interessados nos efeitos colaterais de produtos farmacêuticos e de instituições ligadas à vigilância farmacológica.
Ginecologistas e obstetras defendiam a comercialização do produto pela importância na redução da morbimortalidade por abortos ilegais e inseguros.
Instituições ligadas à vigilância medicamentosa defendiam a retirada do Cytotec do mercado, por considerarem que o medicamento estava sendo usado pelo efeito colateral que causava.
Essa posição era defendida por setores que se opunham ao direito ao aborto que, na época, eram fundamentalmente católicos, muitas delas atuando no campo da saúde e da vigilância farmacêutica.
A partir dos anos 1990, esse debate ganhou uma nova escala, iniciando-se uma verdadeira cruzada contra o misoprostol e as mulheres que utilizam o medicamento.
Em 1991, a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária determinou a apresentação de receita médica para compra do Cytotec em todo o país.
Com restrições e propagandas contrárias, as farmácias aos poucos foram deixando de ofertar o Cytotec. Em 1992, as vendas foram reduzidas em 80%.
A partir de 1998, o fornecimento ou venda do misoprostol passou a ser enquadrado como crime contra a saúde pública, segundo a então recém-criada Anvisa. Somente hospitais cadastrados podem adquirir o medicamento.
Em 2005, o medicamento começou a ser produzido no país, com o nome comercial de Prostokos, para uso exclusivo dos hospitais em procedimentos obstétricos, incluindo os casos de aborto legal: estupro, risco de morte à gestante e anencefalia fetal.
Porém, enquanto cresciam as restrições para banir o medicamento das farmácias brasileiras, o misoprostol passou a ser usado como referência no abortamento legal em países como a França.
"Hoje, o mundo todo usa o medicamento tanto para indução do aborto quanto para antecipação do parto. As mulheres do Brasil merecem o Prêmio Nobel de Medicina, evitaram a morte de milhões no mundo”.- Olímpio Moraes, médico obstetra.
Hoje, o misoprostol está na lista dos medicamentos considerados essenciais pela Organização Mundial da Saúde (OMS).