Por Elaine Schmitt e Karina Janz Woitowicz*.

Ocupar a mídia e fazer ecoar as vozes das mulheres são estratégias presentes ao longo da trajetória do movimento feminista para visibilizar a luta por direitos. Hoje, muitos são os espaços e canais dedicados à agenda feminista, principalmente no ambiente digital. Portais, revistas digitais, blogs, podcasts, canais no youtube, entre diversas outras iniciativas, estão colocando em pauta os direitos das mulheres, as demandas LGBT+ e o debate interseccional.

Contudo, a criação de espaços alternativos na imprensa, como uma prática do movimento de mulheres, possui longa data e está associada ao processo de luta e resistência feminista. Ainda no século XIX e início do XX, o direito à educação e ao voto foram discutidos em jornais e revistas que se ocupavam da emancipação das mulheres.

Em um período mais recente, é importante lembrar que a luta pela democracia, no período da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), contou com a expressiva participação das mulheres na imprensa alternativa, que denunciava o autoritarismo e a violação de direitos. Os primeiros jornais feministas, que conjugavam a luta contra a ditadura com as reivindicações das mulheres, surgem nos anos 1970 e contribuem para ecoar as vozes das mulheres em meio ao cenário de uma vigorosa imprensa de oposição, representada por centenas de periódicos.

Dos primeiros veículos – Brasil Mulher (1975-1979) e Nós Mulheres (1976-1978) – dezenas de outros surgem a partir dos anos 1980 em todas as partes do país. Eram jornais na maioria das vezes de pequena circulação, produzidos sem estrutura financeira ou mesmo profissional, com envolvimento de mulheres militantes que reconheciam na imprensa uma forma de ação política.

Mulherio, Chanacomchana, Mulher Paulista, Bennet Informa, Jornal Brasília Mulher, Cadernos da Mulher, Jornal Maria, Jornal Mulher CECF, Espaço Mulher, Jornal da Mulher, Nzinga Informativo, Revista Vivência, Lua Nova, Mulher, Presença da Mulher, Mulher Teresina. Esses periódicos – e muitos outros – discutiam temas relevantes como repressão política, condições de trabalho feminino, direito a creche, combate à violência doméstica, sexualidade e direito ao corpo, aborto e direitos reprodutivos, racismo, participação política. Pautas essas que, guardadas algumas variações, permanecem absolutamente atuais.

A imprensa feminista no período da ditadura foi marcada por experiências que representavam a força e a diversidade da organização das mulheres (rurais, urbanas, negras, lésbicas, militantes políticas, estudantes, entre diversos outros grupos que tentavam se fazer ouvir). Esse importante momento da luta das mulheres está registrado no texto de Barbara Popadiuk, Elaine Schmitt e Karina Janz Woitowicz, publicado em 2019 no E-book Mulheres de Luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985), e também no webdocumentário que trata da imprensa feminista, produzido pelo mesmo projeto sob a coordenação da professora Cristina Scheibe Wolff, com apoio da Capes.

Conhecer um pouco dessa história permite compreender o lugar da imprensa na trajetória de lutas das mulheres, que se entrelaça com a apropriação dos meios e técnicas disponíveis em um determinado momento e contexto. Sabe-se que a partir dos anos 1990 e nos primeiros anos do século XXI, o movimento de mulheres em diferentes países passou a desenvolver práticas de comunicação em rede com o propósito de promover rupturas com as representações hegemônicas das mulheres na mídia e ampliar os espaços e canais para reivindicação de direitos no ambiente das mídias digitais. O ativismo feminista incorporou, em suas formas de luta, a resistência na e pela mídia.

Fortalecer o jornalismo digital com enfoque de gênero, praticado hoje por diversos portais, está em sintonia com as demandas atuais dos feminismos, diante do avanço de perspectivas conservadoras, que exigem enfrentamentos e a descoberta de outros modos de produção jornalística. Apropriar-se da mídia a partir de uma perspectiva voltada às demandas das mulheres representa, portanto, a possibilidade de produção de discursos capazes de interferir no cotidiano e pautar o debate público. Afinal, o que as experiências de imprensa feminista deixam como principal legado é a importância de ocupar a mídia e promover resistências.

Assista ao episódio:

https://www.youtube.com/watch?v=SKypeTf0CM0&t=562s

Quer saber mais?
Acesse o artigo “Luta e resistência política: a imprensa feminista brasileira nos anos 1970 e 1980” para leitura mais aprofundada sobre este tema, disponível no livro resultante do Projeto Mulheres de Luta.

Clique aqui para acessar o webdocumentário Mulheres de Luta completo.

Ficha técnica:
Entrevistas: Elaine Schmitt e Karina Janz Woitowicz
Roteiro: Elaine Schmitt, Karina Janz Woitowicz e Barbara Popadiuk
Filmagem: Elaine Schmitt
Edição:  Marina Moros

*Elaine Schmitt: Fotojornalista, doutoranda no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC) e integrante do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH-UFSC).

*Karina Janz Woitowicz: Jornalista, professora Dra. do curso de Jornalismo e do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Jornalismo e Gênero (UEPG).

Edição de Morgani Guzzo.

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