Por Cristina Scheibe Wolff e Luísa Dornelles Briggmann*.

Mesmo em 2020, depois de diversas e importantíssimas lutas de mulheres por espaço e direitos, ainda se faz constante os questionamentos sobre a ocupação de mulheres nos espaços públicos de poder. O público e a política, como espaço masculino, e o privado e o lar, ainda como “lugares de mulher”, parecem continuar assombrando o imaginário popular e solicitando de nós, mulheres, uma luta diária. Mas não estamos sozinhas e trazemos conosco a história de inúmeras mulheres que fizeram de suas vidas uma batalha por um mundo mais justo e igualitário.

No capítulo “Mulheres militantes de esquerda na ditadura brasileira”, que compõe o livro “Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)”, buscamos trazer a luta de mulheres militantes contra a ditadura brasileira. Procuramos, também, pensar sobre suas vivências e analisar a forma como revolucionaram costumes, papeis sociais e estruturas de poder ao transgredirem normas e ocuparem um lugar não destinado a elas: a política.

Sabemos que as mulheres não permaneceram omissas ou passivas ao longo da história, porém, sua participação é constantemente desconsiderada. A participação direta de mulheres em revoltas, guerras, guerrilhas e confrontos violentos sempre existiu, seja na retaguarda ou na linha de frente, e na luta contra a ditadura que assolava o país não seria diferente. Nunca na história do Brasil, entretanto, tantas mulheres participaram de organizações de esquerda, com ênfase aqui para organizações armadas. Participar da luta contra a ditadura foi um espaço duramente conquistado por elas.

Dentro das organizações, serem incorporadas em uma “guerra de guerrilhas”, saindo dos papeis “tradicionalmente” atribuídos ao feminino e assumindo funções de liderança, por exemplo, não foi fácil para as militantes. Ser corajoso, viril, ativo, manejar armas e se dispor de grandes privações pela revolução eram qualidades de um bom militante, mas previamente esperadas dos homens. Assim, de certa forma, as mulheres acabavam tendo que provar, de uma maneira mais árdua que seus companheiros, que eram capazes e aptas.

Por outro lado, para os militares, essas militantes estavam muito longe da figura da mulher frágil, da mãe/irmã indefesa. Elas eram vistas como terroristas, transgressoras, promíscuas: a “puta comunista”, duas categorias infames para eles. A repressão odiava as militantes que fugiam do estereótipo da submissão, da dependência e da incapacidade de tomar decisões. Assim, quando essas militantes que ousaram romper com códigos sociais eram presas e torturadas, os militares visavam também recolocá-las em seu “devido lugar”. Foi ali que o machismo cruamente se manifestou e que elas foram expostas a uma dupla e desigual relação de poder: a da militante oprimida contra o agente de segurança opressor e a da hierarquia de gênero.

Essas foram mulheres que abriram portões, que plantaram sementes para que hoje nós possamos colhe-las. Militantes que ousaram sonhar com uma nova sociedade e que lutaram para materializar seus sonhos. Esperamos que suas histórias sejam ouvidas, que sua coragem e suas utopias continuem a inspirar nossas lutas. Afinal, como uma vez nos disse Angela Davis, não podemos contar nossas histórias sem conhecer outras narrativas pois, frequentemente, descobrimos que elas são, na verdade, nossas próprias narrativas.

Assista ao episódio:

https://www.youtube.com/watch?v=sBtBcZwIu2Y&t=30s

Quer saber mais?
Acesse o artigo “Mulheres militantes de esquerda na ditadura brasileira” para leitura mais aprofundada sobre este tema, disponível no livro resultante do Projeto Mulheres de Luta.

Clique aqui para acessar o webdocumentário Mulheres de Luta completo.

Ficha técnica:
Roteiro: Luísa Dornelles Briggmann e Cristina Scheibe Wolff
Edição: Marina Moros

*Cristina Scheibe Wolff ([email protected]) é professora titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista de Produtividade do CNPq 1D. Possui doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1998), pós-doutorado pela Universidade de Rennes 2 (França, 2005 e 2018) e Universidade de Maryland (2011), Fullbright Chair of Brazilian Studies, Universidade de Massachusetts/Amhers, 2017. É uma das fundadoras do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH/UFSC) e uma das coordenadoras editoriais da Revista Estudos Feministas (REF).

*Luísa Dornelles Briggmann ([email protected]) é doutoranda em História do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Capes e integrante do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH-UFSC).

Edição de Morgani Guzzo.

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