Por Juliana Salles Machado*

“Enquanto mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar contra as questões e as violações que afrontam nossos corpos, nossos espíritos, nossos territórios. Difundindo nossas sementes, nossos rituais, nossa língua, nós iremos garantir a nossa existência.” (Documento final da Marcha das Mulheres Indígenas: “Território: nosso corpo, nosso espírito”, agosto 2019). 

As histórias dos povos indígenas no Brasil são marcadas por diversas violências, genocídios e expropriações de terra ocorridas ao longo do tempo, mas também pelas constantes lutas e resistências desses povos. Essas narrativas históricas, no entanto, vêm sendo continuamente abafadas e silenciadas por diversos motivos, dentre eles a omissão do Estado, quando não sua própria ação direta no sentido de possibilitar ou facilitar a ocorrência desses crimes.

Se as violências praticadas durante a década inicial da ditadura militar brasileira aplicam-se para todos os povos indígenas, entre as mulheres podemos ver como essa violência também esteve atrelada (e muitas vezes justificada) à reiterada imagem sexualizada das mulheres indígenas, aliada também ao discurso de seu suposto “primitivismo”.

As mulheres indígenas atuaram diretamente na educação escolar, ferramenta amplamente utilizada na luta pela resistência. Já na esteira da problemática das terras, vemos surgir estratégias políticas voltadas à uma ambígua noção de “proteção”, que, por vezes nada mais eram do que novas formas de opressão. A partir dos anos 1980, essa luta pela terra se desenvolveu conjuntamente ao direito à construção e expressão da própria identidade, em uma tentativa tanto de desconstruir estereótipos e preconceitos tão enraizados na sociedade brasileira, quanto de reforçar a necessidade de representação indígena nas instituições e espaços públicos e políticos.

A força das mulheres indígenas e sua luta nos duros anos da ditadura militar no Brasil as colocaram, como já nos apontava Sônia Guajajara, como protagonistas da sua própria história.

Em 2019, na Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, estas mulheres de luta ocuparam a capital brasileira contra o afronte de seus corpos, espíritos e territórios, nos ensinando uma vez mais a força das mulheres, sua capacidade de liderança, de enfrentamento, de geração e de proteção da vida.

Hoje, em meio ao isolamento social forçado pela pandemia mundial do COVID-19, novamente as mulheres indígenas nos ensinam sobre (re)existências. Mulheres indígenas dos mais diversos cantos deste país têm articulado redes nacionais e internacionais de prevenção e proteção aos povos indígenas, atuando entre equipes de saúde e práticas de cura nas mais diversas terras indígenas. Suas redes de sororidade são baseadas em práticas que remontam há muitos anos de sua história. Este passado, se antes fora visto como “primitivo”, hoje, neste cenário dramático em que vivemos, nos apresenta uma potente resposta para um futuro desconcertantemente incerto.

Quer saber mais?
Acesse o capítulo completo de “Mulheres Indígenas, Mulheres de Luta: Terra, Educação e Resistência” em co-autoria de Juliana. S. Machado; Isabele. S. Parente; Jozileia. D. Kaingang; Macelo. G. Fagundes para leitura mais aprofundada sobre este tema, disponível no livro resultante do Projeto Mulheres de Luta.
Outras fontes sobre redes entre mulheres indígenas: https://fagtar.org

Ficha técnica do vídeo:
Entrevistada: Jozileia Daniza Kaingang
Roteiro: Juliana Salles Machado
Filmagem: Victoria Scabora
Edição: Marina Moros

Conheça o webdocumentário Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985) aqui.

* Juliana é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, sub-coordenadora da Licenciatura Intercultural Indígena desta mesma Universidade e editora do Portal [Fag.Tar] a força delas . Realiza pesquisas interdisciplinares entre as áreas de História Indígena, Arqueologia e Antropologia nos temas: identidade, movimento e resistência indígena; práticas colaborativas e a construção do conhecimento e saberes tradicionais; mulheres e relações de gênero; e território e manejo ambiental.

Edição de Morgani Guzzo.

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