Por Carla Almeida* e Milena Cristina Belançon**.

As eleições de 2018 assumiram um lugar particular na história das lutas pela ampliação da presença de mulheres na política, empreendida por movimentos de mulheres e feministas brasileiras. Não será possível avaliar esse pleito e seus legados sem começar por Marielle Franco, vereadora pelo PSOL no RJ que foi brutalmente assassinada neste ano. Uma liderança feminina negra que encarnava o que de mais vitorioso aquelas lutas foram capazes de produzir.

A bem da verdade, se a democracia que construímos nesses últimos trinta anos carregou muitas fragilidades e limites, Marielle Franco, negra, lésbica, de origem periférica, ao chegar às instâncias formais de poder, condensava todas as vitórias e avanços que as forças democráticas e progressistas conquistaram nesse período, a duras penas. É como se nela apresentassem-se unidos todos os fragmentos das vitórias alcançadas por aquelas forças. Unidos e expressados na sua voz em defesa dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, da população negra, LGBT e das camadas trabalhadoras, eles se mostravam em toda a sua potencialidade.

Dois destaques dos resultados eleitorais de 2018 remetem às suas lutas. Para explorá-los, lembremos que em 2018 a presença de mulheres cresceu no Congresso e, pela primeira vez, alcançou 15% das cadeiras! Mais amplamente, considerando todos os cargos em disputa nas eleições de 2018, aumentou a presença de mulheres nas instâncias de representação no país (conforme gráfico abaixo).

O primeiro ponto que desejamos destacar para avaliar esses resultados é a vitória alcançada pelas forças conservadoras e de direita nesse pleito, que obteve expressão máxima no resultado da eleição à Presidência da República.

Essa vitória é fruto de uma ação que vem sendo construída há anos contra o que, precisamente, Marielle Franco e suas lutas representavam. Essa ação ganhou expressiva ressonância pública no pleito eleitoral e, não à toa, algumas mulheres, porta vozes das forças de direita, foram muito bem votadas.

Seu êxito eleitoral nos avisa de que as bandeiras feministas enfrentarão ainda mais resistência no próximo período não só, mas também e talvez sobretudo, por parte de mulheres parlamentares que entendem aquelas bandeiras como nocivas à “família, religião e pátria”. Essas entrarão fortemente na disputa pela “representação da voz das mulheres” na política, não apenas como alternativa ao feminismo, mas como seu polo opositor.

De todo o modo, talvez, como fruto mesmo da luta pela ampliação da presença feminina na política, as mulheres da direita encontraram maiores oportunidades para o seu protagonismo no interior dos partidos do campo conservador. Afinal, elas se apresentam como alternativas antifeministas para ocupar e disputar o espaço conquistado pelas lutas a favor de mais mulheres na política.

O segundo destaque, entretanto, é que a bancada explicitamente identificada com o feminismo também cresceu no Congresso e computou importantes vitórias nas assembleias legislativas. Comparando com 2014, nove feministas a mais foram eleitas no pleito de 2018, chegando a 36 parlamentares federais. Cabe destacar que, entre elas, Áurea Carolina (PSOL/MG), Sâmia Bomfim (PSOL/RJ), Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Marilia Arraes (PT/PE) eram vereadoras nas suas respectivas cidades e aumentaram notavelmente seu eleitorado nesse pleito. Além desses exemplos, Erica Malunguinho (PSOL/SP) foi a primeira deputada transexual eleita do país e para a Assembleia do RJ elegeram-se três mulheres negras que assessoravam Marielle Franco.

Como algumas dessas lideranças já afirmaram, esse desempenho eleitoral se deve à expansão das ideias feministas pela sociedade brasileira, impulsionadas no último período pelas lutas que ganharam as ruas, das quais são exemplos os protestos do “Todas Contra 18” e os de repúdio ao assassinato de Marielle Franco. Assim, as vitórias institucionais conquistadas pelas feministas estão vinculadas ao êxito das ações diretas desse período.

Êxito que, por sua vez, resultou da capacidade dessas ações em catalisarem as energias do ativismo feminista de uma nova geração de mulheres que se mostram dispostas à ação, mas que não participam de organizações formalizadas. Sua socialização política ocorreu no contexto mais recente e as ruas, sobretudo, canalizam suas energias ativistas. Os resultados eleitorais de 2018 nos mostram, assim, a importância de levar em conta a conexão institucionalidade/ruas, o que, nos parece, continuará a ser a marca das lutas feministas nesse próximo período.

Se a resistência às bandeiras feministas será grande, inclusive e talvez sobretudo vocalizada por mulheres da bancada conservadora, por outro lado, o feminismo se fortaleceu no parlamento. E é digno de nota que esse fortalecimento tenha refletido, sobretudo, o crescimento e a importância do feminismo negro, responsável significativamente pela ampliação da ressonância feminista na sociedade brasileira no último período.

Nessa direção, não é demais mencionar que se as brancas sempre foram predominantes entre candidatas (51% em 2018) e eleitas (70% em 2018), entre 2014 e 2018, subiu o número de mulheres candidatas e eleitas que se declararam pretas. Elas eram 10% das candidatas em 2014 e 13% em 2018. Em 2014, elas somaram 4% das eleitas e, em 2018, chegaram a 9%. As variações são pequenas, mas podem indicar uma tendência, que estaria vinculada à pujança do feminismo negro no último período no Brasil.

Passemos agora a analisar os resultados de 2018 sob uma outra perspectiva. O gráfico abaixo compara a evolução de candidaturas femininas e de mulheres eleitas para as últimas três eleições nacionais, considerando os totais, sem distinção de cargos.

 

Fonte: Elaboração própria com base em dados do TSE

Tivemos um substantivo aumento de candidaturas femininas nas duas últimas eleições, que pela primeira vez atingem o número mínimo exigido pelas cotas: 30%. Esse feito pode ser creditado, entre outros, à minirreforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034/09), que estabeleceu critérios mais efetivos para punir os partidos políticos que não cumpriam a exigência de instituir 30% de candidaturas femininas, além de obrigá-los a destinar recursos para à promoção e difusão da participação política das mulheres.

O aumento do número de eleitas no período, entretanto, não obedeceu ao mesmo ritmo das candidaturas. Ele acontece em 2018 e pode estar vinculado, além do contexto já discutido acima, à decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de determinar que os partidos políticos destinem no mínimo 30% do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para candidaturas femininas.

Decisão, por sua vez, que acompanhou a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de estabelecer o valor mínimo de 30% do Fundo Partidário às campanhas femininas, revertendo a minirreforma eleitoral de 2015, que estabelecia a reserva de um mínimo de 5% e máximo de 15% dos recursos para esse fim.

Com isso percebemos que, desde sua instituição, em meados da década de 1990, a política afirmativa que visa ampliar a presença de mulheres nas instâncias representativas precisou ser aprimorada para ganhar maior efetividade diante dos obstáculos oferecidos pelas legendas partidárias.

A diferença do ritmo entre o crescimento de candidaturas e a eleição de mulheres atesta a necessidade de uma atuação mais incisiva junto aos partidos, cujas direções, é bom salientar, ainda estão fortemente em mãos masculinas e precisam ser democratizadas.

Ainda no que diz respeito à relação candidaturas/desempenho, os dados do TSE, considerando os totais de cargos, mostram que em todas as regiões do Brasil as candidaturas femininas ficaram em torno dos 30%, reforçando a importância dos dispositivos institucionais mencionados acima num contexto em que barreiras culturais e institucionais se combinam e retroalimentam na imposição de fortes obstáculos para a participação política das mulheres.

Importante assinalar que a região Norte elegeu mais mulheres do que as outras regiões. E aqui é fundamental sublinhar que, por Roraima, elegeu-se pela Rede em 2018 a primeira deputada federal indígena da história, Joênia Wapichana, que já tornou pública sua intenção de defender os direitos coletivos indígenas no parlamento.

O desempenho das candidatas pelas regiões obedeceu a seguinte ordem: na região norte, as mulheres totalizaram 20% do universo eleito; no sudeste e nordeste, elas chegaram a 16%; no sul, a 14% e, finalmente, no centro-oeste, a 13% daquele universo.

As eleições nacionais de 2018 indicaram um aumento importante da presença de mulheres na política se comparadas aos pleitos anteriores, embora essa presença ainda continue muito reduzida em números substantivos. A expressiva votação alcançada por mulheres conservadoras e o notável desempenho eleitoral de lideranças feministas sugerem que as conflitivas e antagônicas demandas formuladas em nome das mulheres deverão ocupar lugares centrais nas lutas políticas do próximo período.

O cenário que se desenha é de embates e disputas não apenas em torno de pautas específicas, mas do próprio sentido político do que devem fazer as “mulheres” na política em nome das “mulheres”. É provável que tais lutas e embates não fiquem restritas a um espaço, mas atravessem a institucionalidade e as ruas.

*Carla Almeida é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, pesquisadora do NUPPOL/UEM – Núcleo de Pesquisas em Participação Política.

**Milena Cristina Belançon é mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, pesquisadora do NUPPOL/UEM – Núcleo de Pesquisas em Participação Política.

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