A ação por perseguição religiosa e ideológica movida por uma aluna contra a historiadora e professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Marlene de Fáveri, foi julgada improcedente por falta de provas. Em sentença proferida na última terça-feira (5), o juiz André Alexandre Happke, do 1º Juizado Especial Cível da Comarca de Chapecó, atenta para o uso parcial e descontextualizado de provas fonográficas pela autora do processo, além da ausência de provas testemunhais do fato. Conforme a sentença, o desempenho acadêmico da aluna não foi prejudicado pela decisão da professora de abrir mão da orientação. “Evidencia-se que a autora não sofreu prejuízos em decorrência das condutas da ré, pois a mesma elevou a nota quando solicitada a revisão e submeteu seu pedido de troca unilateral de orientação ao Conselho do Mestrado, que o deferiu”, afirma o juiz na sentença.

Entende o caso na matéria completa.
Acesse a sentença.

A historiadora e professora do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da UDESC, Marlene de Fáveri, tem uma trajetória reconhecida nacional e internacionalmente nos estudos de gênero e feminismo. “Estou nas nuvens. Foram dois anos terríveis, mas a justiça foi feita. Essa decisão é muito importante para afirmar a liberdade de cátedra e a escola democrática”, afirmou Marlene, que se tornou ativista do movimento Escola Sem Mordaça desde que foi processada.

O fato da orientadora abrir mão da orientação do projeto de pesquisa da aluna foi a motivação central no processo de indenização de R$ 17.600 por “discriminação, intimidação, ameaça velada via e-mail, exposição discriminatória, humilhação em sala de aula e tentativa de prejudicar academicamente a autora”. A ação foi proposta no Juizado Especial da Comarca de Chapecó, cidade onde mora a autora, em 13 de junho de 2016, duas semanas após a aluna ser reprovada no mestrado sob a orientação de outro professor.

De acordo com o juiz, ao contestar publicamente o programa de ensino a aluna assumiu o risco de ser confrontada. “Entendo que quando a autora compartilhou em modo público na rede mundial de computadores mídias em que se contrapôs às concepções ideológicas defendidas pela orientadora e pelo programa de ensino da linha de pesquisa ao qual era vinculada, sabedora que era do posicionamento do corpo discente e docente da universidade, ela assumiu o risco de ser chamada ao debate”.

Sobre a decisão da professora de abrir mão da orientação da aluna, o juiz avaliou: “no que tange à troca de orientador, não vislumbro nas atitudes da ré qualquer ilicitude, posto que a mesma agiu em conformidade com as normas internas da instituição de ensino, que possibilita a troca de orientação por pedido justificado do Professor-Orientador, desde que o submeta à apreciação do Órgão Colegiado”.

Para Daniela Felix, uma das advogadas da professora, a decisão cria um precedente importante para a defesa do campo democrático e para a liberdade de professoras e professores que estão sendo perseguidos por integrantes do Movimento Escola sem Partido. “Sabemos que essa decisão pode não ser definitiva, mas a gente entende como uma grande vitória para a causa. Especificamente é uma ação indenizatória de natureza individual de uma aluna contra uma professora, mas representa no campo das políticas institucionais uma manutenção de princípios elementares da liberdade de cátedra e escola de democrática. Passa pra gente, também em razão da repercussão do caso, essa mensagem, muito embora não tenha sido enfrentada na sentença, de reforço da liberdade de ensinar. É uma vitória não só da professora Marlene, mas de todas e todos educadores que estão passando por processo de violência em sala de aula”, argumenta a advogada.

Desde que o caso veio a público, Marlene já recebeu pelo menos trinta manifestações de apoio de instituições do Brasil e da América Latina, entre elas a organização Católicas pelo Direito de Decidir, a Rede Feminista de Saúde, o Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/UDESC), o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH/UFSC), o Instituto de Estudos do Gênero (IEG/UFSC), o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), a Associação Nacional de História (Anpuh). A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal e a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) . Na época, professores e alunos do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) criaram o Comitê de apoio “Escola sem Mordaça” para fazer frente à tentativa de forjar casos de “doutrinação ideológica” por integrantes do movimento Escola sem Partido.

Ato em defesa da professora, em frente ao Fórum a Capital, durante a primeira oitiva de testemunhas/Foto: Chris Mayer

A aluna
Ana Caroline Campagnolo, aluna que processou Marlene, pode recorrer da decisão. Ela é candidata ao cargo de Deputada Estadual de Santa Catarina pelo PSL (Partido Social Liberal). Graduada em História pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (2011), é professora de história do ensino básico e tem um canal no Youtube, onde busca desqualificar os estudos de gênero e feminismo. Em eventos protagonizados pelo movimento Escola sem Partido, faz palestras sobre o processo que moveu contra a professora – como um exemplo de “doutrinação ideológica”.

Em suas redes, a autora do processo – que acusa a professora de anticristã e anti-conservadora – faz elogios ao deputado federal Jair Bolsonaro, anuncia e sorteia livros do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (torturador confesso durante a ditadura militar) e busca argumentos para contrapor autores das áreas de humanas, especialmente feministas. Para ela, os livros de Simone de Beauvoir levam ao entendimento de que a filósofa tinha inveja dos homens.

Confira a entrevista com a aluna publicada quando o caso veio a público.

Atualizada às 13h28 de 7 de setembro .

 

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