Ativistas e membros da sociedade civil em reunião extraordinária da mesa diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, na última quinta-feira (9), em Santiago, no Chile, divulgaram uma carta em repúdio à PEC 181/2015. No encontro, organizado pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), participaram autoridades ligadas às áreas de população e desenvolvimento, especialistas, pesquisadores, delegados de organismos internacionais, além de representantes da sociedade civil. O texto faz menção à memória da ativista brasileira Fátima de Oliveira, falecida na última semana, que atuava pelos direitos reprodutivos das mulheres e da saúde da população negra.

“Esta manifestação das redes e organizações sociais da América Latina e Caribe foi fundamental para a denúncia pública internacional dos ataques em curso que ocorrem no Brasil no campo dos direitos sexuais e reprodutivos e que sistematicamente violam os direitos humanos, especialmente das mulheres”, apontou Richarlls Martins, coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento e que participou da delegação brasileira como representante da sociedade civil na reunião extraordinária da Conferência em Santiago.

A PEC 181/2015 foi aprovada na quarta-feira (8) por uma Comissão Especial da Câmara. O texto que inicialmente previa o aumento da licença maternidade para mães de bebês prematuros foi modificado. A nova proposta altera a Constituição Federal para incluir o direito à vida desde a concepção. Se for aprovada em plenário, as mulheres não terão mais garantido o direito de interromper uma gravidez nos casos previstos por lei: estupro, risco de morte e anencefalia fetal. Dos 19 deputados presentes, apenas Erika Kokay (PT/DF), a única mulher, votou contra.

Texto na íntegra

Compartilhamos abaixo a carta de repúdio da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento na América Latina e Caribe em relação à PEC 181/2015.

Santiago, 9 de novembro de 2017.

Ativistas e membros da sociedade civil reunidos na Reunião Extraordinária da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, na cidade de Santiago (Chile), repudiam o retrocesso em relação aos direitos sexuais e reprodutivos que está em curso no Brasil.

Ao fim da tarde desta quarta-feira, 8 de novembro, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou, por 18 votos contra 1 (18 homens contra 1 mulher), a PEC 181/2015 que reconhece a vida desde a concepção, terminando com o direito instituído do aborto legal e seguro mediante três causas – estupro, risco para a vida das mulheres e anencefalia. O próximo passo será voltar para a Câmara e depois para o Senado. Originalmente, esta era uma alteração para conceder um prazo mais longo para a licença de maternidade em caso de parto prematuro, mas foi oportunamente alterada para se tornar uma plataforma de retrocesso que criminaliza o aborto de forma absoluta no Brasil.

 Esta proposta legislativa está em desacordo com o Consenso de Montevidéu adotado na Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento de 2013, que reafirma os direitos reprodutivos e sexuais e a revisão de leis punitivas que restringem a interrupção voluntária de gravidezes indesejadas e impactam negativamente nos direitos e na saúde das mulheres.

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em seu último relatório “Mundos Distantes”, mostra a precariedade da vida reprodutiva das mulheres brasileiras, especialmente as mais pobres. Elas são a maioria, composta de 4,2 milhões de brasileiras, que mesmo com décadas de investimento, não tem a demanda por contraceptivos de idade reprodutiva atendida. Dentre estas, as mulheres jovens são as mais atingidas: 20% das mães têm menos de 20 anos de idade. A Pesquisa Nacional de Aborto (ANP) do Anis – Instituto de Bioética, lançada no final de 2016, mostra que, apenas em 2015, mais de meio milhão de mulheres realizaram um aborto e dentre estas estão mulheres religiosas, cujas crenças rejeitam o procedimento. No Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é vítima de estupro, de acordo com o estudo lançado pelo Banco Mundial em 2016, que reconhece ainda a notificação de casos. Isso equivale a 130 mulheres por dia, quase 50 mil mulheres por ano. Além disso, as mulheres brasileiras sempre são apresentadas com novas questões que ameaçam seu direito mais básico – à vida – com procedimentos ilegais e inseguros, e também no caso com a epidemia do vírus Zika, no qual as mulheres foram proibidas de realizar o procedimento, deixando-as sem apoio durante uma gestação arriscada e a enfrentar uma vida cheia de desafios. O que o Brasil fará com todas essas mulheres se acabar com a possibilidade da interrupção voluntária?

 As mulheres devem ter a prerrogativa de decidir sobre o seu corpo, a sua saúde, a sua vida e a vida de seus filhos com o apoio total do país. Para eles, as leis devem apresentar soluções seguras e não punição em virtude de questões que o Estado julgue mal ou dos problemas que não é capaz de resolver. Não podemos e não aceitamos isso. Os direitos conquistados não podem ser retrocedidos. São as vidas das mulheres que estão em perigo.

Em nome da feminista Fátima Oliveira, recentemente falecida, ativista dos direitos reprodutivos das mulheres e da saúde da população negra, e em nome de cada mulher e de todas elas, dizemos ao Governo, à Câmara de Deputados, ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal do Brasil: não renunciaremos a essa batalha!

Este pronunciamento foi feito por mais de 50 redes, organizações, ativistas para firmar nosso compromisso e solidariedade com as mulheres brasileiras. Nem uma a menos! Viva nos queremos! Não aos fundamentalismos religiosos!

Mabel Bianco, FEIM/NGO CSW LAC
Maria Alicia Gutierez, FUSA AC/Universidad de Buenos Aires
Soledad Deza, CDD Argentina
Lola Guerra, Red LAC Católicas por el Derecho de Decidir
Aidé Garcia, CDD México
Pamela Martin Garcia, FUSA AC/Vecina Feministas por la Justicia Sexual y Reproductiva
LAC
Nayeli Yoval, Elige-Red de Jóvenes por los Derechos Sexuales y Reproductivos
Mexico/Alianza LAC de Juventudes/Red Latinoamericana y Caribena de Jovens por los
Derechos Sexuales
Vicenta Camusso, Red de Mujeres Afrodescendientes America Latina y Caribe
Nilda Pinoda, Sombrilla Centroamericana
Sara Garcia, Sombrilla Centroamericana/Agrupacion Cuidanana por la Despenalizacion
del Aborto-El Salvador
Kuyla Caceros, Plataforma Salvadorena de Juventud/Jovenes Voceras/os DSDR
Larissa Arroyo, Associacion Ciudadana ACCEDER
Mariana Iacono, ICW Latina
Carlos Monsolve, Red J + LAC
Valeria Montufan, Paz Joven Guatemala
Flor Hunt, IPPF/RHO
Natalia Guerrero, Profamilia Colombia/IPPF/RHO
Lucy Garrido, Articulacion Feminista Marcosur-Uruguay
Gabriel Reyes, IPPF/RHO/APROFAM Guatemala
Adriana Mendoza, IPPF/RHO/Red Tú Decides
Mamá Tepica, IPPF/RHO/Red Tú Decides Bolivia
Bryan Varela, Plataforma Salvadorena de Juventudes
Juey Esqueviel, UNES/Paraguay
Fidelia Suarez, Sintrasexco/Colombia
Maria Elena Dovila, Girasoles/Nicaragua
Hermienda Gonzalez, Chile
Jiundocion Margeir, Chile
Maria Antonieta Alcalde, IPPF RHO
Oriana Lopez, Balance Mexico/RESURJ, Vecinas Feministas por la JSyR
Fidelia Suarez, Sintrasexco/Colombia
Organización de Mujeres Terra Viva, Guatemala
Go Joven Guatemala
Associacion Chilena de Protecion a la Familia, APROFA/Chile
Red de Jovenes Sin Fronteras, Costa Rica
Vera Rodas, INCDDEJOVEN/Guatemala
Associacion Sueca para la Educacion Sexual/RFSU, Suécia
Comision de Ninez y Juventud del Enlace Continental de Mujeres Indigenas de las
América
Lilian Abracinskas, Mujer y Salud/Uruguay
Red de Salud de las Mujeres de Latinoamerica y el Caribe
Cecilia Stapff, Iniciativas Sanitarias/Uruguay
Andrea Martinez, Mujeres en el Horno/Uruguay
Lilian Celiberti, Cotidiano Mujer/Uruguay
Gabriela Lipuori, CAREF/Argentina
La Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres
Marcele Silva, ICW Chile
Bentha Chete, ICW
Ana Falope, GoJoven Honduras
Jinna Rouabs, GoJoven Honduras
Luis Espinoza, Colectivo Interdisciplinario de Investigacion y Promocion el Desarrollo
Comunitario/CLIP-DC
Maria Batres, Humanitas Guatemala
Richarlls Martins, Rede Brasileira de População e Desenvolvimento/REBRAPD

 

 

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