A recém intitulada “Esquina Feminista”, no centro de Florianópolis, concentrou manifestantes, na tarde de ontem (13), para o ato contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181 que pode criminalizar totalmente o aborto, inclusive em caso de estupro. Nos gritos de ordem, o protesto contra o discurso religioso que sustenta a proposta: “Quero o aborto legalizado, quero a igreja fora do Estado”. A marcha seguiu pelas ruas centrais com uma parada em frente à catedral, onde as cerca de 300 manifestantes reforçaram a crítica à interferência das igrejas na legislação. Mais de 20 cidades receberam manifestações de repúdio à proposta.

O relatório da PEC 181/2015 foi aprovado por 18 votos a um em reunião da Comissão Especial da Câmara, em 8 de novembro. A única mulher presente, a deputada Érika Kokay, votou contra. Os deputados da Comissão ainda devem analisar 11 destaques ou sugestões de alterações no texto no próximo dia 21. A proposta pode ser votada a qualquer momento em plenário comum. Segundo apuraram repórteres do Diário Catarinense, a maioria dos deputados de Santa Catarina desconhece a PEC e não tem voto definido.
Ato em todo o país marcou a mobilização das mulheres contra a PEC 181/Foto: Sandra Alves

 “Eles (governo e parlamentares) estão acabando com todos os direitos que conquistamos, os direitos da classe trabalhadora e especialmente das mulheres. Vamos continuar organizadas nas ruas, chamar uma greve e parar esse país. Esse governo vai sentir a força das mulheres. Hoje foi a prova disso. Ou eles vão nos ouvir, mudar as leis, ou vamos tirá-los de lá. Esses congressistas comprometidos com o patriarcado e machismo não vão dizer o que vamos fazer com os nossos corpos e vidas. Pela vida das mulheres vão continuar nas ruas até que todas e todos sejamos livres” afirmou Tânia Slongo da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) ao final do ato.

A enfermeira sanitarista Carmen Lucia Luiz, conselheira do Conselho Nacional de Saúde, alerta que a criminalização total do aborto dentro da PEC 181 aparece de forma sutil e subentendida, sem deixar claro o objetivo do texto. “Ela aparece dentro de uma frase, num projeto de emenda constitucional, e que passa batido. Não é um debate claro para que possa haver a colocação de ideias. Essa forma de trabalhar deste grupo que se intitula pró-vida é muito inadequada por que não mostra a realidade pra abrir um confronto real”, afirma.

Carmem destaca o contraste da proposta com o desejo apontado pela plenária da 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres, onde a descriminalização do aborto foi aprovada por 76%. “As mulheres querem a descriminalização do aborto como uma forma de exercício de direitos e também de diminuir a mortalidade materna que acontece muito mais entre as mulheres negras do que entre as brancas”, frisou a conselheira.

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Para a advogada Iris Gonçalves, do coletivo 8M, a retirada do direito ao aborto legal traz agravos à vida das mulheres. “Temos muito trabalho a fazer. As pessoas não sabem do que trata a PEC e não sabe que os seus direitos estão sendo atacados. Este ano estivemos na rua pelo menos quatro vezes pra lutar contra retiradas de direitos. Este ato é muito significativo pra que as pessoas saibam o por quê da necessidade de ir pra rua, pra dizer não a estes ataques”, assinala.

Foto: Dieine Gomez

O risco da criminalização total do aborto reafirma que as mulheres são prejudicadas de maneira mais incisiva pelas retiradas de direitos impostas pela agenda conservadora do governo Temer e do Senado, na opinião da ativista do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Urbanas (MMTU), Schirlei Azevedo. A necessidade de reação que tem obrigado as mulheres a ocuparem as ruas vem fortalecendo o movimento. “Os coletivos e movimentos tem deixado muitas divergências de fora por que sabe que somos todas prejudicadas por este golpe misógino”

Foto: Chris Mayer

Em situações como a da apreciação da PEC 181, fica ainda mais evidente a subrepresentação feminina no legislativo, já que é mais uma decisão sobre a vida das mulheres a cargo dos homens. “É extremamente necessário que tenhamos mulheres nos espaços de decisão e no congresso nacional, mas nos temos que avaliar que mulheres nós queremos ter lá. Precisamos de mulheres que representem as nossas pautas e que não reforcem a maioria de homens brancos, de classe média-alta, sem compromisso com as causas das mulheres e com a questão social”, observou Schirlei Azevedo.

Entenda o que é a PEC 181
Em fevereiro de 2016 a PEC 181/2015 foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) tendo como relatora a deputada Gorete Pereira (PR/CE), cujo parecer favorável foi aprovado em maio de 2017. A proposta tratava somente da extensão da licença maternidade à gestante em caso de nascimento prematuro até 240 dias. Em razão da correlação das matérias, a PEC 58/2011 de autoria de Jorge Silva (PDT-ES), que já tramitava na Câmara, foi incorporada à PEC 181/2015, de Aécio Neves (PSDB-MG). Em 30 de maio foi designado relator o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), o qual modificou o texto para incluir o trecho “desde a concepção” nos artigos 1º e 5º da Constituição que tratam respectivamente dos princípios fundamentais da República e dos direitos e garantias fundamentais. Com a modificação, a garantia do direito inviolável à vida e à dignidade da pessoa humana passa a ser assegurada desde a concepção – momento em que o óvulo é fecundado.

O Código Penal de 1940 não criminaliza o aborto em caso de estupro e risco de morte à gestante. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012 tornou possível a interrupção da gravidez também em situação de anencefalia fetal – quando não há chance de sobrevida. Esses chamados permissivos legais – num país onde o aborto por livre decisão da mulher é crime – garantem o direito a um abortamento seguro pelo Sistema Único de Saúde. Porém, estão ameaçados caso a PEC seja aprovada em plenário.

Atualizada às 16h44 de 14 de novembro.

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