Nesta semana, o programa de rádio “Catarinas em Debate” tratou do Programa Escola Sem Partido. As convidadas para debater o assunto foram a atriz e professora de Teatro da UDESC Bárbara Biscaro e Elenira Vilela, professora de Matemática do Instituto Federal de Educação (IFSC).

Proposto para orientar a educação nacional, o Programa Escola Sem Partido atua de forma a estigmatizar como “ideológicos” pontos de vista que divergem da lógica dominante, na opinião das entrevistadas. Ao mesmo tempo, tenta caracterizar como “neutro” o pensamento hegemônico.”Na verdade não é uma escola sem partido, é uma escola com um partido, com determinada visão de mundo que precisa ser branca, liberal, cristã, cisgênero e heterossexual”, argumentou Elenira.

A professora do IFSC enfatizou que o programa é uma reação dos setores mais conservadores acostumados com a naturalização do discurso do opressor. “Exatamente no momento em que as mulheres passam a ter voz e essa voz começa a romper barreiras, as pessoas chamam de neutralidade o discurso de opressão. Não é a toa que esses projetos são escritos por homens brancos, de meia idade e classe média alta. Na medida em que o espaço do opressor diminui, ele acha que tem direito de se sentir ofendido e chama isso de ideologia. E essa ideologia não pode ter espaço porque fere a moral de determinada religião. É como se houvesse o direito de manter calados os setores sociais, que são a maioria da população”.

“Há no projeto uma defesa do pluralismo e diversidade de abordagens, mas o que vemos na prática é o objetivo de cerceamento de certos pontos de vista: não de todos. Se eu retiro um assunto, como os estudos de gênero, tornando-o dogmático no sentido de que não posso falar sobre ele, estou tirando o acesso do aluno a um conhecimento que sabemos que existe, mas que não poderá ser abordado por ser considerado ideológico. O que é ideológico ou neutro dentro do ensino?”, refletiu Barbara.

Desvalorização da política
Ainda de acordo com as entrevistadas, o programa Escola Sem Partido é parte do processo de despolitização das pessoas que visa afastar cada vez mais a sociedade das questões de interesse da coletividade. “As pessoas que não estão no contexto da educação imaginam que exista campanha política na sala de aula, que o professor usa o espaço para fazer política partidária. Não entendem a política como um campo de conhecimento humano intrínseco a todas as nossas práticas”, afirma a atriz.

Segundo Elenira, o movimento Escola Sem Partido, iniciado em 2004, ganhou força com o processo do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff“Há muito tempo, existe uma campanha para as pessoas se afastarem da política. A associação da política com corrupção é feita de maneira tão profunda que as pessoas que se consideram honestas dizem que não gostam de política. Participar da política e defender a política como espaço de discussão das questões da coletividade é essencial. A forma como as empresas, os interesses econômicos, inclusive igrejas, se apropriam dos espaços públicos é que é o problema da política. Então, o problema é falta de política e não excesso”, afirmou a professora.

Discussão de gênero
O caso da professora da UDESC, Marlene de Fáveri, processada por perseguição ideológica também recebeu destaque na discussão. “O que realmente está em jogo caso a aluna ganhe a ação é a abertura de uma jurisprudência perigosíssima nesse momento de vulnerabilidade social que vivemos no Brasil. A ação criminaliza uma professora que faz o seu trabalho com uma linha de pensamento bastante clara. É atacada justamente por fazer o seu trabalho. As pessoas não estão acessando a empatia humana com o outro, é uma caça às bruxas generalizada. O caso é emblemático para pensarmos se queremos esse contexto de perseguição instaurado na nossa vida cotidiana”, analisou Barbara.

Foto: Zuca Campagna

Para as entrevistadas, o caráter machista da proposta é evidente pela defesa da exclusão dos estudos de gênero e pelo perfil de seus defensores. “A discussão de gênero não apareceu por conta de uma decisão política de um partido, mas sim por causa de um cotidiano escolar e familiar que mostrou que era essencial para vivência e desenvolvimento do ensino. Não é à toa que essa questão é alvo principal. Pela primeira vez eles precisam explicar esse pensamento e forma de agir para uma sociedade que não admite mais de uma maneira automática e simplesmente por tradição”, pontuou Elenira.

As professoras também ressaltaram a ausência de profissionais e especialistas da educação na construção do programa. “As pessoas que propõem essas reformas nunca estiveram no ambiente escolar. Estão num contexto completamente cercado de outra realidade e querem interferir diretamente como uma mão divina. As questões de gênero ganharam tanta força, além dos movimentos e estudos de gênero, porque começou a haver discussão de base na escola sobre como as violências interferem no dia a dia do ambiente escolar e familiar. Uma vez que proíbo a discussão, eu não ouço uma pesquisa e a construção do conhecimento que está sendo feita empiricamente no dia a dia das pessoas que sofrem, estou perpetuando sofrimento”, argumentou Barbara.

O apoio da Federação Nacional das Escola Particulares (FENEP) ao programa suscitou debate sobre os interesses econômicos envoltos nesse movimento, que segundo as convidadas, atua contra o pensamento crítico e a escola pública. “As escolas privadas, entendendo a educação como mercadoria, disputam espaço no mercado, por exemplo, com institutos federais, que têm ótima avaliação. Eles precisam criminalizar o que são boas práticas nesses ambientes para se apropriar dos mercados”, defendeu a professora do IFSC.

Confira o podcast completo  

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