“Eu estava de resguardo com a minha filha recém nascida de 20 dias, quando saí da casa da minha mãe com meus filhos e fui buscar um canto pra mim na ocupação. A gente não sabia como seria. Tínhamos só a promessa de um político que garantiu que nos daria terreno pra construir, mas depois que ele perdeu as eleições fomos despejados. Quando os policiais chegaram , eu estava no postinho com a minha neném, voltei correndo e consegui salvar pouca coisa. Eles nos deram uma hora para tirar o que tinha dentro dos barracos e passaram com a patrola por cima”, lembra Patricia de Oliveira, moradora da Ocupação Contestado em São José e uma das coordenadoras do núcleo.

Cinco anos de constantes avisos de desocupação forçada separam o despejo do primeiro terreno do conflito que vivem atualmente. A proprietária do terreno, em que as famílias moram provisoriamente, sinalizou que não tem mais interesse em negociar e vai requerer o espaço. Ela possui uma dívida de IPTU de 36 anos em que obteve uma negociação com a prefeitura para abatimento dos impostos. Em contrapartida, autorizaria o uso da área pelos moradores da ocupação.

Com o declínio da proprietária, os moradores do Contestado, com apoio das Brigadas Populares, fizeram um churrasco comunitário no domingo (25), para iniciar uma campanha nacional de reorganização das famílias e buscar recursos para reconstrução do barracão, espaço de assembleias da comunidade e debates de formação.

Uma arrecadação on line foi lançada para angariar recursos para reconstrução do barracão.

Patrícia com sua filha que tinha 20 dias quando aconteceu o despejo no primeiro terreno da Ocupação | Foto: Sílvia Medeiros/Portal Catarinas

São 102 famílias que moram num terreno íngreme, as ruas são improvisadas e há pequenos corredores que dividem os três quarteirões. Os mais de 400 moradores construíram casas que ao longo dos anos passaram por diversas reformas. Na busca por espaço e um pouco de conforto, as residências de duas peças do início da ocupação, deram espaço para casas de madeira de dois andares. Tudo ainda improvisado, porque, de acordo com Maira Valéria Damasceno Teixeira, moradora e uma das coordenadoras da ocupação, objetivo é garantir um terreno que fique numa área de melhor acesso, na Avenida das Torres, em São José.

“Nós já conquistamos o terreno. Ele era da união e depois de muita luta, o governo passou pra gente. O que nós buscamos agora é o compromisso da prefeitura na construção das moradias através do programa Minha Casa Minha Vida, como a construção de creche e até delegacia da mulher dentro da comunidade”, afirma. A conquista do terreno foi assinada ainda em 2013.

Maira considera que a luta por moradia é essencial para as mulheres, são elas que sentem as maiores dificuldades na falta de  condições dignas para criar os filhos | Foto: Sílvia Medeiros/Portal Catarinas

As vidas de todos acontecem muito próximas umas das outras. Dividem paredes , como também o dia a dia é dividido e vivenciado em grupo. Marivone de Oliveira, moradora do Contestado, explica que as reuniões entre as famílias são importantes para se manterem unidas. “É em assembleia que a gente explica a situação da nossa ocupação e definimos juntos o que vamos fazer. As questões individuais de cada família, a gente divide para ser debatido nas reuniões das quadras e dos núcleos”, explica a moradora.

Para Marivone, defender o direito à moradia é lutar por cidadania, | Foto: Sílvia Medeiros/Portal Catarinas

Protagonismo feminino na luta por moradia
A Companhia de Habitação de Santa Catarina (COHAB) estima um déficit habitacional no estado em torno de 100 mil moradias. Em um município como São José, com elevado custo de vida e terrenos com preços a partir de R$ 100 mil, as famílias de baixa renda não encontram opção além do pagamento dos altos valores de aluguel ou moradias familiares.

Com essa realidade no horizonte, os moradores relembram que foram atraídos por uma promessa do então prefeito Djalma Berger (PMDB) que orientou a ocupação de nova área em reunião aberta. Berger também teria prometido que, na semana seguinte à ocupação, seriam enviados funcionários da Assistência Social e Defesa Civil para cadastramento e construção das casas. Mas, nada disso aconteceu, na ocupação do primeiro terreno indicado por Berger, houve uma desocupação pelas tropa de choque da Polícia Militar e equipamentos da prefeitura para destruir os barracos e casas de madeira.

Sem ter para onde ir, o conjunto de famílias foi abrigado no ginásio municipal. Foram 28 dias aguardando uma alternativa. Nesse período, Anderson Teixeira, esposo de Maira, pensou em desistir, os planos eram de voltar a pagar o aluguel de R$ 700 e buscar reconstruir tudo o que perderam com o despejo. O que não o fez desistir foi a insistência da esposa. “Tinha dias que ela não dormia, ficava pensando no que poderia acontecer e em tudo que tínhamos vivido. Quando ela chorava a noite, eu achava que no outro dia ela desistiria, mas ela acordava cedo e já saía pra conversar com as famílias e fortalecer o movimento. Ela foi teimosa, fez dessa ocupação e a busca pela nossa casa, o objetivo de sua vida”.

Morando há cinco anos no terreno na Grande Florianópolis, agora as famílias sofrem com a possibilidade de um novo despejo. No aguardo do cumprimento das promessas da prefeitura na construção das moradias, as famílias se reorganizam para evitar que sejam despejadas novamente e não alcancem o tão sonhado plano de morar em casa própria.

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