Temos como referência nessas vozes Nina Simone, Erykah Badu, Angel Haze, Solange Knowles, Missy Elliott, Lauryn Hill, Beyoncé, e tantas outras, desse século e do século passado, que fizeram ou fazem muito sucesso, que são reconhecidas e possuem visibilidade universal.

Por Joyce de Maria

Parte I

Ao meio de crises existenciais, problemas, preocupações, idas, vindas, términos, começos, choros, gritos, desespero, procuramos em torno daquela tempestade algo que nos fortaleça, que nos inspire a continuarmos erguidas. “Te ergue, preta”, e é como se essa frase ecoasse pelo corpo todo, a ponto de estremecer. E sim, me ergo, sim. Me ergo e me esforço para erguer aquelas que estão comigo. Da mesma forma, mesmo que nem me conheçam, muitas são as que estão ali se esforçando para me erguer. E é isso que chamamos de estarmos juntas, afinal, somos uma mesma voz. Voz essa que muito representa e empodera. Uma voz que se faz em muitas vozes, ou, muitas vozes que se fazem numa só voz. Falo da voz dita, escrita ou gritada. A voz, aquela que não apenas te escuta, mas completa, une, repassa. Poemas, músicas, contos, falas, desabafos, vozes que ecoam, se espalham, chegam. A voz da preta! A preta que fala para nós, sobre nós.

Temos como referência nessas vozes Nina Simone, Erykah Badu, Angel Haze, Solange Knowles, Missy Elliott, Lauryn Hill, Beyoncé, e tantas outras, desse século e do século passado, que fizeram ou fazem muito sucesso, que são reconhecidas e possuem visibilidade universal. E sim, mais uma vez digo, representatividade importa, e elas estão lá como ícones da representatividade da mulher negra, que desde sempre tentam nos negar. Digo “tentam”, porque não conseguem. Estávamos, estamos e vamos continuar estando, falando de nós, para nós, sobre nós. Porém não precisamos nem ir muito longe. Aqui no Brasil também há muitas dessas vozes, e precisamos fazer com que elas ecoem ainda mais, que se espalhem, que cheguem a todas, que abracem aquelas que também fazem parte dessas vozes, aquelas que tem suas histórias contada por essas vozes, aquelas que irão se sentir contempladas por essas vozes. Além de tão empoderadoras quanto as referências internacionais, as nacionais trazem consigo maior proximidade com nossas próprias histórias. O que é ser e como é ser mulher negra no Brasil.

Karol Conka, compositora, rapper, cantora, além de mulher e negra, traz consigo, na sua personalidade, sua voz, sua música e suas composições, letras que falam sobre ancestralidade, periferia, liberdade, poder, negritude, festa, ascensão social, feminismo, autoestima, confiança, preconceito, e sobretudo, empoderamento. Isso tudo em ritmos diversos, transitando em rap, pop, reggae, e afins. <

[…]
No país rico de beleza misturado com pobreza
Meninas se fantasiam negando suas naturezas
Cobertas de incertezas com medo se sentem presas
Escondem a esperteza sonhando com a realeza
A mocinha quer saber por que ainda ninguém lhe quer
Se é porque a pele é preta ou se ainda não virou mulher
Ela procura entender porque essa desilusão
Pois quando alisa o seu cabelo não vê a solução
[…]
Dona Maria levanta cedo de segunda a segunda
Segue acostumada com uma rotina que nunca muda
De joelhos olhos fechados pede pro santo uma ajuda
Que ilumine a cabeça de sua filha caçula
Que sai de saia justa salto alto mini blusa
Se sentindo madura com vergonha da pele escura
Se decepcionando com o reflexo do espelho
E querendo o mesmo visual dourado da modelo
[…]

Música essa uma das primeiras da Conka, antes mesmo do primeiro álbum, quando apenas disponibilizava na internet algumas de suas músicas. E não há uma vez que eu ouça esses versos e não me emocione…

“Eu acho que a gente tem que ser vista, não só como rapper, mas como capazes de passar uma mensagem, não só rimar em cima de uma batida. A gente tem coisa pra falar, a gente tem dor pra dividir, a gente tem experiência pra passar, soluções pra passar. A minha mensagem sempre foi a de autoestima e empoderamento, porque na minha infância eu fui muito diminuída, o tempo inteiro, até quando eu conheci o rap. Com 17 anos eu me libertei dessa dor que era ser mina, dessa dor que era ser negra, e MC, pobre e curitibana, fora do eixo artístico. E eu comecei a sentir uma necessidade de ouvir uma letra que me confortasse, então eu comecei a escrever uma letra que eu gostaria de ouvir, imaginando que outras pessoas precisassem ouvir aquilo que eu também queria ouvir.” – Karol Conka, em entrevista com Kerollayne Ketry, disponível em Brasileiríssimos.

E foi o que ela fez, letras e músicas que representam, confortam, empoderam. Assim continua com esse mesmo objetivo, tanto que lançou recentemente o clipe do novo single É o Poder, um clipe maravilhoso com looks deslumbrantes e, de fato, poderosos. O refrão grita “é o poder, aceita porque dói menos” e vemos o tapa que ela quis dar aqueles que acham ruim uma mulher preta, como ela, no poder. E não é primeira vez que Conka traz essa mensagem. No primeiro álbum, na música “Vô lá”, há um trecho que transmite justamente isso: “meu corpo sem limite, pode ser que isso te irrite, dispenso seu palpite, vô agindo, admire”. E com isso temos um antigo e um novo trabalho afirmando e reafirmando um velho assunto social: somos, existimos, resistimos, e sociedade, você vai ter que nos engolir, porque estamos aqui, agindo, nos erguendo, transmitindo.

Ela escrevia e ainda escreve imaginando que outras pessoas precisem ouvir aquilo que ela mesma queria ouvir, e foi o que aconteceu comigo, quando eu precisava ouvir aquilo que ela estava cantando, passando, dividindo. E isso aconteceu com o primeiro álbum, o “Batuk Freak”, da Karol, lançado em agosto de 2013, quando o álbum se tornou a playlist que esteve ali comigo nos momentos em que eu me sentia tão pequena e fraca diante do mundo, da sociedade, lá em 2013, em que eu me vi batendo de frente com tudo aquilo que queriam me enfiar mente a dentro e que eu não aceitava, que eu enfrentava, que eu brigava, que eu era apontada como a irritada da rodinha, a louca do rolê, a problemática da família. Nessa mesma época, me olhava no espelho e não me reconhecia, não tava mais aceitando aquela imposição social do cabelo alisado. Foi ai que iniciei minha transição capilar, lá em 2013. E nos momentos mais difíceis, meses depois, Batuk Freak ainda estava lá comigo. Eu ouvia todas aquelas 12 faixas repetidas vezes, durante dias e dias. Não só o álbum e música, mas a própria Karol, negra, usando seu cabelo crespo natural, e logo depois dando espaço para um crespo curtinho (quase careca) e rosa, autêntica, com um estilo só dela. Pronto! Eu a tinha como referência musical, e agora passava a tê-la como referência de mulher negra.

Três anos se passaram do álbum “Batuk Freak” pra cá. Karolzinha cresceu muito, ficou ainda mais conhecida aqui no Brasil (já possuindo um público na Europa), se tornou ícone da moda com seus looks tombadores, vieram novas músicas, clipes, shows, parcerias, visibilidade, prêmios, e tantas outras coisas que escrevem os caminhos desses três anos. “Já que é pra tombar, tombei!” E há um ano tive o prazer de ver mamacita brilhando de perto, em um show de abertura para o Racionais MC’s, em que o momento do show dela foi tão enriquecedor e forte que aquele se tornou, para mim, o show principal. Ela tava falando sobre ela, sobre mim, sobre tantas. Cantei, dancei, gritei e senti a energia dessa mulher. Mais que isso, me senti representada. Ela grita quando canta a música Corre, Corre Erê:  “O mundo é meu, o mundo é seu também”. Sim! O mundo é meu, o mundo é dela, o mundo é seu também.

Por fim, não falo aqui apenas de Karol Conká, falo também de Elza Soares, Luiz Ribeiro, Tássia Reis, D’Origem (Meire MC e Preta Ary ), Ellen Oléria , Yzalú, MC Soffia, Dory de Oliveira, Karol de Souza, Drik Barbosa, Preta Rara, MC Carol, Larissa Luz, e tantas outras. Falo não apenas das que cantam, mas também das que escrevem, inspiram, transbordam. Falo das que você conhece, e das que você precisa conhecer. Todas mulheres negras, falando para nós, sobre nós. Conheça!

Fonte: Blogueiras Negras

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