Não preciso dizer que nunca usei drogas só pra me legitimar. Quem me conhece de perto sabe que não bebo nem cerveja. Não consumir drogas é uma opção meramente pessoal, sem ranços de moralismo. Acontece que caí na panela da poção quando nasci e entro com facilidade nos devires do mundo. Em resumo, estou sempre naturalmente “chapada” e mergulhada na vida. Sempre recomendo aos meus filhos e alunos que prefiram o nascer do sol, o amor, a arte e o contato com os povos mágicos deste planeta às substâncias químicas. Agora mesmo estamos num grupo de professores do Curso de Jornalismo da Unisul desenvolvendo uma vivência com o Centro de Tratamento de Dependência Química Recanto Silvestre, de Biguaçu. A ideia é percebermos a adicção no contexto de uma sociedade que é inteiramente compulsiva.

Já há tempos um médico antroposófico me receitou maconha para ficar menos plugada e tratar as dores musculares, mas ainda estou considerando… Como o gaulês Obelix, se aumentar a dose, posso ficar sensível demais, arteira demais, potente demais, embriagada demais da conta… Não sou “limpinha e cheirosa”, é claro: tenho outros vícios confessos como todos neste mundo neurótico: o chá verde e a cafeína, a comida, o trabalho, a política nas redes sociais. Também já caí na droga do consumo e da vaidade, mas me considero curada, ou “limpa só por hoje”, como dizem nossos amigos do Recanto.

Foto: Ramiro Furquim

Agora, o que não aturo é gente hipócrita, falsos moralistas, que consomem ou já consumiram altas doses de bebida destilada ou de entorpecentes muito mais pesados e danosos para a sociedade, apoiar a selvageria policial contra esses jovens que pedem a legalização da maconha. Não tenho saúde para tolerar pais e mães grosseiros, briguentos, ególotras e egoístas, que só se preocupam com o dinheiro e a própria imagem, que nunca olharam dentro dos olhos dos seus filhos para ver a pessoa inteira que eles são, chamar os que pedem a descriminalização da maconha de drogaditos e vagabundos. Não aceito que aplaudam as cenas indecorosas de agressão policial contra estudantes que participaram da Marcha da Maconha em Florianópolis.

Foto: Ramiro Furquim

As imagens de policiais enfurecidos, espancando a socos e pontapés nossos alunos e alunas de Jornalismo da Unisul que estavam cobrindo a Marcha da Maconha, mostram que o ódio político institucionalizado, ele sim, é uma droga poderosa e perigosíssima de destruição. Adultos que apoiam uma covardia dessas são falsos cristãos que só fazem por si neste mundo. No fundo, invejam os jovens porque reconhecem neles o que já perderam há muito tempo: o verdadeiro sentimento político do bem comum pulsando nas veias, tornando um indivíduo muito mais do que ele mesmo, fazendo com que um se arrisque por todos.

Foto: Ramiro Furquim

Vai ser difícil tocar, chamar, convencer esses jovens com a hipocrisia de um país onde detratores da erva, os guardiães da moral e dos bons costumes, apoiaram um candidato envolvido com o transporte aéreo de 500 quilos de cocaína. São os mesmos que aplaudem hoje a truculência de agentes entorpecidos pela fúria contra os manifestantes da Marcha da Maconha. Boa parte dos canalhas que assaltaram o poder no Brasil estão cobertos de nuvens de pó e a eles não interessa a descriminalização. Não ficam por baixo os que se dizem de esquerda e ridicularizam a luta como se fosse supérflua ou coisa de arruaceiro: lutar pela liberação do consumo é defender o direito às subjetividades que fogem ao padrão da falsa normalidade. Em cima do argumento do combate à droga se alicerça um “mundo de mierda”, como disse o jornalista Eduardo Galeano, onde a polícia prende e espanca jovens por conta de um baseado, enquanto aqueles que arruínam o mundo continuam livres e enriquecendo cada vez mais. Tirem as mãos deles, hipócritas!

Foto: Ramiro Furquim

Raquel Wandelli, jornalista do Jornalistas Livres e professora de Jornalismo da Unisul.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

Últimas