Há dez anos, Yara Margareth Paz Steinbach foi assassinada pelo próprio companheiro, Paulo Eduardo Costa Steinbach. Ele jogou o carro contra Yara e a esmagou contra um muro. O fato ocorreu no bairro Itaguaçu, na região continental de Florianópolis, próximo ao local de trabalho da vítima. No veículo estavam uma filha do casal e a outra filha de Yara.

Paulo Eduardo foi preso em flagrante, enquadrado pela então recente lei Maria da Penha, que prevê punição para a violência doméstica. O autor do crime ficou preso por um ano e respondeu em liberdade até seu julgamento no dia 29 de setembro. O réu foi a júri popular, no Fórum de Florianópolis, que o declarou culpado. No entanto, cumprirá pena de cinco anos em liberdade.

A justificativa para a pena acolhe o argumento da defesa de que Paulo Eduardo estava sob “violenta emoção diante da provocação da vítima” que supostamente o traía. Salvo engano, a sentença reforça a ideia, diante da traição de Yara, de que o réu foi tomado por ímpeto passional.

Na última segunda-feira (3), o MP entrou com recurso contra o resultado do Tribunal do Júri da Comarca da Capital por não ter sido reconhecida pelo Tribunal do Júri a “qualificadora de uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima”, o que aumentaria a pena. Em nota, o Promotor de Justiça Luiz Fernando Fernandes Pacheco aponta que “foram rechaçadas todas as teses aventadas pela defesa do réu: culpa exclusiva da vítima, homicídio culposo em decorrência de acidente de trânsito e desclassificação para o crime de lesão corporal seguida de morte”.

No entanto, ainda nesta nota, o MP/SC reforça que a seu pedido “o Conselho de Sentença reconheceu a causa de diminuição de pena da violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, uma vez que o réu, minutos antes de cometer o homicídio, teria flagrado a esposa no carro do amante em frente à clínica, enquanto os filhos esperavam para serem atendidos para uma consulta médica”.

Machismo estrutural
Para a União Brasileira de Mulheres em Santa Catarina (UBM/SC), assusta o fato de um crime bárbaro ser considerado homicídio simples, movido por forte emoção do assassino. Segundo Sara Ternes, coordenadora estadual da organização, “o argumento é utilizado desde a década de 50 para livrar homens da prisão por terem matado suas companheiras ‘adulteras’”. Em nota, a UBM/SC destaca que “esse e todos os assassinatos não podem ter suas penas reduzidas com o argumento de que foram movidos por forte emoção ou agiram em defesa da honra”.

O caso revela o impacto do machismo em nossa sociedade e como os discursos em que ele se desdobra são permissivos com as desigualdades de gênero. O artigo 28 do Código Penal, no inciso I, diz que “não exclui a imputabilidade penal a emoção ou a paixão”. Para a advogada Iris Gonçalves Martins, o fato de uma mulher ter um amante ainda é válido para autorizar um assassinato na cultura do machismo. “A sentença do júri demonstra o quanto uma boa parcela da sociedade está em descompasso com as propostas das legislações que punem a violência contra mulheres ou, pelo menos, com a efetividade da lei”, destaca.

No caso das legislações de proteção as mulheres, que entraram em vigor nos últimos dez anos, como a lei Maria da Penha e do Feminicídio, as mudanças em âmbito jurídico chegaram antes de uma transformação cultural. É o que demonstra o caso Yara. No entanto, as leis são importantes mecanismos para que, mesmo que lenta, haja mudança no olhar da sociedade sobre as violências que sofrem as mulheres pelo fato de serem mulheres. “É preciso uma mobilização para incentivar as mulheres a processarem por danos materiais, morais e físicos seus agressores. Quando indenizações milionárias começarem a pipocar no judiciário, talvez essas legislações tenham a sua verdadeira efetivação”, reforça Íris.

 

 

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