As ativistas e teóricas feministas Angela Davis, Nancy Fraser, Linda Martín Alcoff, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya, Keeanga-Yamahtta Taylor e Rasmea Yousef Odeh fizeram o chamado por um feminismo de base e anticapitalista no 8 de março em artigo assinado coletivamente e publicado no dia 3 de fevereiro. No texto, em que conclamam a uma greve geral internacional das mulheres para o Dia Internacional da Mulher, elas defendem uma Marcha das Mulheres antirracista, anti-imperialista, “antiheterossexista” e antineoliberal sem deixar de marcar as pautas das mulheres negras, pobres, lésbicas, trans e queers.

“Enquanto a misoginia flagrante de Trump foi o gatilho imediato para a resposta maciça em 21 de janeiro, o ataque às mulheres (e todos os trabalhadores) há muito antecede a sua administração. As condições de vida das mulheres, especialmente as das mulheres de cor e as trabalhadoras, desempregadas e migrantes, têm-se deteriorado de forma constante nos últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. (…) A nova onda de mobilização das mulheres deve abordar todas essas preocupações de forma frontal. Deve ser um feminismo para 99% das pessoas”, escreveram as ativistas.

Publicado originalmente na revista Viewpoint Magazine, o texto foi traduzido por Daniela Mussi do Blog Junho:

Para além do “faça acontecer”: por um feminismo dos 99% e uma greve internacional militante em 8 de março

Por Angela Davis, Cinzia Arruzza, Keeanga-Yamahtta Taylor, Linda Martín Alcoff, Nancy Fraser, Tithi Bhattacharya e Rasmea Yousef Odeh.

“As grandes marchas de mulheres de 21 de janeiro [nos Estados Unidos] podem marcar o início de uma nova onda de luta feminista militante. Mas qual será exatamente seu foco? Em nossa opinião, não basta se opor a Trump e suas políticas agressivamente misóginas, homofóbicas, transfóbicas e racistas. Também precisamos alvejar o ataque neoliberal em curso sobre os direitos sociais e trabalhistas. Enquanto a misoginia flagrante de Trump foi o gatilho imediato para a resposta maciça em 21 de janeiro, o ataque às mulheres (e todos os trabalhadores) há muito antecede a sua administração. As condições de vida das mulheres, especialmente as das mulheres de cor e as trabalhadoras, desempregadas e migrantes, têm-se deteriorado de forma constante nos últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. O feminismo do “faça acontecer”* e outras variantes do feminismo empresarial falharam para a esmagadora maioria de nós, que não têm acesso à autopromoção e ao avanço individual e cujas condições de vida só podem ser melhoradas através de políticas que defendam a reprodução social, a justiça reprodutiva segura e garanta direitos trabalhistas. Como vemos, a nova onda de mobilização das mulheres deve abordar todas essas preocupações de forma frontal. Deve ser um feminismo para 99% das pessoas.

O tipo de feminismo que buscamos já está emergindo internacionalmente, em lutas em todo o mundo: desde a greve das mulheres na Polônia contra a proibição do aborto até as greves e marchas de mulheres na América Latina contra a violência masculina; da grande manifestação das mulheres de novembro passado na Itália aos protestos e greve das mulheres em defesa dos direitos reprodutivos na Coréia do Sul e na Irlanda. O que é impressionante nessas mobilizações é que várias delas combinaram lutas contra a violência masculina com oposição à informalização do trabalho e à desigualdade salarial, ao mesmo tempo em que se opõem as políticas de homofobia, transfobia e xenofobia. Juntas, eles anunciam um novo movimento feminista internacional com uma agenda expandida – ao mesmo tempo anti-racista, anti-imperialista, anti-heterossexista e anti-neoliberal.

Queremos contribuir para o desenvolvimento deste novo movimento feminista mais expansivo.

Como primeiro passo, propomos ajudar a construir uma greve internacional contra a violência masculina e na defesa dos direitos reprodutivos no dia 8 de março. Nisto, nós nos juntamos com grupos feministas de cerca de trinta países que têm convocado tal greve. A ideia é mobilizar mulheres, incluindo mulheres trans, e todos os que as apoiam num dia internacional de luta – um dia de greves, marchas e bloqueios de estradas, pontes e praças; abstenção do trabalho doméstico, de cuidados e sexual; boicote e denuncia de políticos e empresas misóginas, greves em instituições educacionais. Essas ações visam visibilizar as necessidades e aspirações que o feminismo do “faça acontecer” ignorou: as mulheres no mercado de trabalho formal, as que trabalham na esfera da reprodução social e dos cuidados e as desempregadas e precárias.

Ao abraçar um feminismo para os 99%, inspiramo-nos na coalizão argentina Ni Una Menos. A violência contra as mulheres, como elas a definem, tem muitas facetas: é a violência doméstica, mas também a violência do mercado, da dívida, das relações de propriedade capitalistas e do Estado; a violência das políticas discriminatórias contra as mulheres lésbicas, trans e queer, a violência da criminalização estatal dos movimentos migratórios, a violência do encarceramento em massa e a violência institucional contra os corpos das mulheres através da proibição do aborto e da falta de acesso a cuidados de saúde e aborto gratuitos. Sua perspectiva informa a nossa determinação de opormo-nos aos ataques institucionais, políticos, culturais e econômicos contra mulheres muçulmanas e migrantes, contra as mulheres de cor e as mulheres trabalhadoras e desempregadas, contra mulheres lésbicas, gênero não-binário e trans-mulheres.

As marchas de mulheres de 21 de janeiro mostraram que nos Estados Unidos também um novo movimento feminista pode estar em construção. É importante não perder impulso. Juntemo-nos em 8 de março para fazer greves, atos, marchas e protestos. Usemos a ocasião deste dia internacional de ação para acertar as contas com o feminismo do “faça acontecer” e construir em seu lugar um feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista; um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.”

 

Linda Martín Alcoff é um professor de filosofia na Hunter College e do Graduate Center CUNY e autor de Identidades visíveis: raça, sexo, eo Self . Ela está atualmente trabalhando em um novo livro sobre violência sexual, e outra sobre epistemologia descolonizante.

Cinzia Arruzza é professora assistente de Filosofia na New School for Social Research, em Nova York e ativista feminista e socialista. Ela é a autora do autor de Ligações Perigosas: Os casamentos e divórcios do Marxismo e Feminismo.

Tithi Bhattacharya ensina História na Universidade de Purdue. Seu primeiro livro, Os Sentinelas da Cultura: Classe, Educação, e a Intelectual Colonial em Bengala (Oxford, 2005), é sobre a obsessão com a cultura e a educação na classe média. Seu trabalho foi publicado em revistas como a Revista de Estudos da Ásia, Sul da Ásia Research e New Left Review. Trabalha em um projeto de livro intitulado Uncanny histórias: Medo, Superstição e Razão em Colonial Bengal.

Nancy Fraser Loeb Professor de Filosofia e Política na New School for Social Research. Seus livros incluem Redistribuição ou Reconhecimento e fortunas do feminismo .

Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente no Centro da Universidade de Princeton de Estudos Afro-americanos e autor do livro A partir #BlackLivesMatter to Black Liberation .

Rasmea Yousef Odeh é o diretora associada da American Action Network árabe e líder do Comitê de Mulheres Árabes deste grupo.

Angela Davis é pProfessora Emérita da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e um membro do júri para o Russell Tribunal de 2012, sobre a Palestina.

Barbara Ransby é ativista, escritora, historiadora e professora da Universidade de Illinois em Chicago. Ela é a autora de Ella Baker eo Movimento de Libertação Negra e presidente da Associação Nacional das Mulheres Estudos.

 

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