Mais de 60 organizações do Brasil assinam o Alerta Feminista, lançado nesta semana, para mobilizar ações contra projetos que ameaçam o direito ao aborto legal e tramitam a passos largos no parlamento. “Querem fazer crer que aborto é crime mais grave do que estupro”, alertam. De acordo com um levantamento do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), pelo menos 70 proposições são consideradas de risco e seis tramitaram recentemente com possibilidades reais de serem aprovadas. Dois desses projetos têm autoria do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB/ RJ), atualmente preso por corrupção.

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Entre as proposições estão o PL 478/2007, o chamado Estatuto do Nascituro, e a PEC 29/2015. Ambas baseiam-se no fundamento do direito à vida desde o momento em que o óvulo é fecundado. A aprovação levaria à criminalização do direito à pílula do dia seguinte e toda assistência relacionada à decisão de não manter a gravidez nos casos permitidos por lei. De acordo com a legislação brasileira, à mulher é garantido o direito de abortar em situações de violência sexual, gravidez com risco de morte e anencefalia fetal – quando não há chances de sobrevida do feto.

“A PEC 29/2015 está em estado avançado de tramitação, porque ela recebeu relatório favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e vai direto à plenário. E o Estatuto do Nascituro tem um destaque, porque já passou por várias comissões e isso dá um peso para ele, mesmo que esteja tramitando desde 2007”, explica Masra de Abreu, do Cfemea. O projeto está na Comissão da Mulher da Câmara e, se aprovado, vai a plenário.

Para as organizações, os projetos de lei têm como base fundamentos “conservadores, racistas, machistas e antidireitos humanos” e “suas formulações ferem gravemente os direitos das mulheres”.

“Hoje, esses projetos são as principais moedas de troca da bancada fundamentalista em relação a um governo golpista. Temos um governo que já nasceu morto, com 95% de reprovação da sociedade. Para se manter lá, ele precisa comprar o Congresso da forma mais vil, aliando-se às bancadas da bala, ruralista e fundamentalista, cujo projeto político busca garantir os direitos da vida desde a concepção, comparando o direito do zigoto ao direito da mulher”, afirma Masra.

Na contracorrente desses projetos, o direito amplo ao aborto é reivindicado no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação enviada em março deste ano pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e Anis – Instituto de Bioética. A chamada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pauta-se no argumento de que a criminalização é incompatível com a garantia dos direitos fundamentais das mulheres, previstos pela Constituição Federal. A ação será relatada pela ministra Rosa Weber, cujas decisões no campo do aborto têm consagrado a interrupção da gravidez como um direito.

Principais ideias que fundamentam os projetos contra o direito ao  aborto, segundo o documento
– Querem fazer crer que um óvulo fecundado, ou embrião, deve ser reconhecido e tutelado pelo Estado como um sujeito de direito igual à pessoa nascida viva;
– Querem fazer crer que a vida do feto em formação é mais importante do que a vida da mulher;
– Enaltecem a maternidade num discurso hipócrita e defendem que cuidar das crianças é principal tarefa e responsabilidade exclusiva das mulheres;
– Defendem que sexo é exclusivamente para reprodução e ignoram o direito ao Planejamento Reprodutivo.

Projetos que representam ameaças ao direito

PL 478 de 2007 (Estatuto do Nascituro)
Tem como autores o ex-deputado Luiz Bassuma (ex-PT, partido do qual foi expulso por apresentar a proposição, e atual PEN/BA) e Miguel Martini (PHS/MG). Conhecido como “Estatuto do Nascituro”, transforma o aborto em crime hediondo. Sua aprovação elimina até mesmo a possibilidade da interrupção da gravidez nos poucos casos hoje permitidos. Seu mérito foi aprovado, em maio de 2010, pela Comissão de Seguridade Social e Família/CSSF da Câmara dos Deputados, seguindo o voto da relatora, deputada Solange Almeida (PMDB-RJ). Daí seguiu para a Comissão de Finanças e Tributação/CFT, onde Eduardo Cunha (PMDB/RJ) assumiu a relatoria em abril de 2012, e teve seu relatório favorável, aprovado em 05 de junho de 2013. Encontra-se desde então na CCJC, onde recentemente foi nomeado o relator, deputado Marcos Rogério (DEM/ RO), que é jurista e da Assembleia de Deus. Em 07 de junho de 2017 ele apresentou seu parecer pela aprovação da matéria. Mas no dia seguinte foi apresentado, em Plenário, requerimento do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), pela redistribuição do PL para análise de mérito na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher/CMULHER. O Requerimento foi aceito em 27 de junho, pela Mesa Diretora da Câmara e o PL foi direcionado à CMULHER, onde aguarda designação de relatoria

PL 5069 de 2013
Tem como autor o ex-deputado e atualmente preso por corrupção Eduardo Cunha (PMDB/ RJ). Amplia a tipificação do crime de aborto e retrocede nos direitos adquiridos sobre atendimento às vítimas de violência sexual. Este PL tem inspirado várias propostas legislativas nos municípios e estados. Tramitou por último na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania/CCJC da Câmara dos Deputados, onde recebeu do relator, deputado Evandro Gussi (PV/ SP), que é advogado e católico, parecer pela aprovação da matéria em 2015. Desde então o PL encontra-se pronto para a pauta no Plenário da Câmara, de onde deve seguir para o Senado.

PEC 164 de 2012
Também tem como autor o Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Altera a introdução do artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. Foi encaminhado para a CCJC da Câmara Federal em maio de 2012. Foi desarquivado no início de 2015 e designado relator o deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), que ainda não apresentou parecer. No final de 2016, em resposta ao voto favorável à descriminalização do aborto pelo ministro do STF, Luis Roberto Barroso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ameaçou criar uma Comissão Especial para avaliar esta PEC, alegando usurpação da prerrogativa do Congresso Nacional, que é a de legislar e, neste sentido, também de ratificar ou não a decisão do Supremo. O tema está em debate, pois a matéria ainda não foi votada pela CCJC e por isto a PEC 164 de 2012 não poderia ser objeto de Comissão Especial.

PEC 29 de 2015 (Senado)
Tem como autor o senador Magno Malta (PR/ES) e vários outros. Idêntica à PEC 164/2012, também altera a introdução do artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado pronta para a pauta, pois o relator, senador Eduardo Amorim (PSC/ SE) – que é investigado pelo STF por corrupção e do mesmo partido de Marco Feliciano e Bolsonaro— apresentou, em maio deste ano, seu parecer pela aprovação da PEC. No Senado não existe a regra de constituir comissões especiais para análise de PEC. Apenas a CCJ e o Plenário se manifestarão. Portanto, o rito tende a ser mais rápido do que na Câmara. Isto significa que, a qualquer momento, esta matéria pode entrar na pauta do Senado. Se aprovada no Plenário chegará à Câmara com bastante força, onde a ela será apensada a PEC 164 de 2012.

PEC 58 de 2011
Tem como autor o deputado Jorge Silva (PDT/ES), que é médico. Propõe alterar a redação de uma parte do art. 7º da Constituição Federal para estender a licença maternidade nos casos de nascimento prematuro, pelo tempo que o recém-nascido permanecer internado. O relatório do deputado Marcos Rogério (PDT-RO) foi aprovado pela CCJC da Câmara Federal em março de 2013. Na aparência, é uma proposta benéfica, que amplia os direitos da mulher trabalhadora. Mas por se tratar de matéria que altera o texto constitucional, surgiu no processo uma manobra para, nela, inserir, através de emenda, um parágrafo a respeito da tutela do Estado sobre o embrião (óvulo fecundado), tornando-o sujeito de direito igual a qualquer pessoa nascida viva. É mais uma tentativa entre tantas nesse sentido. Em novembro de 2016, o Plenário, sob a presidência de Rodrigo Maia, criou uma Comissão Especial para avaliar a PEC 58 e os projetos a ela apensados. Esta Comissão chegou a 34 membros e 34 suplentes, a maior parte dos já indicados sendo homens com ligações fortes com igrejas evangélicas ou católica. São apenas quatro mulheres, sendo uma delas do campo conservador. Foram aprovados vários requerimentos de audiências públicas, curiosamente para tratar de temas correlatos ao aborto, o que causou estranheza até mesmo ao autor da PEC 58, deputado Jorge Silva. Mas desde dezembro de 2016, a PEC 58 passou a ser debatida em conjunto com a PEC 181-A de 2015, à qual foi posteriormente apensada.

PEC 181 de 2015
Originalmente PEC 99 de 2015, encaminhada pelo Senado para apreciação na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2015. Tem como autor o senador denunciado por corrupção Aécio Neves (PSDB/MG). A proposta tem o mesmo teor da PEC 58/2011 de 2011 (Câmara), ou seja, a ampliação da licença maternidade para mães de bebês prematuros. Em fevereiro de 2016 a PEC 181/2015 foi encaminhada à CCJC, tendo como relatora a deputada Gorete Pereira (PR/CE), cujo parecer favorável foi aprovado em maio de 2017. Depois desta aprovação a Mesa Diretora determinou formalmente, em razão da correlação das matérias, a apensação da PEC 58/2011 à PEC 181/2015, e decidindo que a Comissão Especial destinada a apreciar a PEC 58/2011, passasse a apreciar a PEC 181/2015. Em 30 de maio foi designado relator o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP). O processo permanece em fase de audiências públicas. Assessoras parlamentares consideram alto o risco de que surjam emendas desfavoráveis à pauta do direito ao aborto como, por exemplo, reconhecer o direito à vida desde a concepção.

Atualizada às 11h40 de 11 de agosto.

 

 

 

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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