“Não, ninguém quer cafezinho, não!”, falou uma representante do Movimento Negro Unificado (MNU) quando o desembargador e presidente da sessão, que votou para que as filhas de Maria das Graças continuassem no abrigo Casa Lar Chico Xavier, tentou oferecer uma cortesia às mais de 30 pessoas que assistiam ao julgamento. A audiência, que já havia sido adiada cerca de 15 vezes, teve início às 16h da quinta-feira, dia primeiro de setembro, com o objetivo de definir, ao menos em primeira instância, se a mãe quilombola poderia voltar a ter a guarda das crianças. As filhas estão longe de Maria há quase dois anos, quando foram levadas para o abrigo, em Biguaçu.

Os três desembargadores presentes na sessão pediram para não ser identificados. Dois deles votaram para que Maria das Graças de Jesus fosse considerada inapta a cuidar das meninas. A advogada da defesa afirma que, agora, recorrerá à segunda instância do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em julgamento que contará com cinco juristas, e não apenas três.

Sebastião César Evangelista, relator do processo e único a visitar as crianças no abrigo, votou a favor da mãe. Ele também pediu a inclusão, nos documentos processuais, de um parecer emitido por um antropólogo. Esta inclusão, segundo o jurista, seria devido à família pertencer a uma comunidade Quilombola, cuja cultura particular não deve ser ignorada na hora de se julgar a forma como a mãe criava e educava as filhas. O parecer foi igualmente vetado pelos outros desembargadores.

“Nos meus padrões, esta mãe e este pai [que é divorciado de Maria] não têm condições de educar estas crianças”, proferiu um dos juristas, ao que a audiência reagiu com revolta. Segundo ele, as meninas “estavam em situação de risco” e “isto foi documentado”. O relator respondeu dizendo que, antes de serem retiradas da comunidade, ambas as filhas estavam matriculadas no colégio, uma delas frequentava aulas de ballet e as duas tinham carteira de vacinação em dia. Também lembrou um documento, escrito pela professora das crianças, que apontava que a mãe era “atenta aos recados da escola” e que as alunas eram “higiênicas”.

O presidente da sessão afirmou que Maria das Graças costumava ter “atitudes inconvenientes” e que ainda era “cedo” para as filhas presenciarem tais atitudes. Ele disse que, “devido à presença de crianças no local do julgamento”, ele “não entraria em detalhes sobre esse fato”. O desembargador também chamou atenção para depoimentos que afirmavam que a casa da família vivia “suja”. Outro argumento, considerado crucial para que as meninas não retornassem à mãe, é o laudo emitido por um médico atestando que a mulher tinha deficiência mental, o que é contestado por movimentos sociais e psicólogas que acompanham o caso.

Evangelista disse que Maria das Graças, que é analfabeta, seria “penalizada por ser pobre e desassistida do estado”. “Eu preferia ser criado na pobreza, por minha mãe cheia de amor, do que na riqueza, porém sem amor”, completa o relator do processo. O terceiro desembargador que compunha a sessão disse que seu voto contra a mãe era muito difícil de ser proferido e que “seu coração” o deixava dividido, porém era “preciso agir racionalmente pelo bem das crianças”.

A promotoria afirmou que Maria das Graças de Jesus não possui capacidade mental e que a comunidade possui uma infraestrutura precária para a criação das crianças. A defesa chama atenção para o fato de que a casa em que moravam mãe e filhas, próxima a um cemitério e num local onde havia péssimas condições de higiene, foi construída, de maneira assistencialista, pela própria prefeitura de Paulo Lopes, município onde residia a família.

A coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), Maria de Lurdes, deixou escaparem lágrimas durante o julgamento. Num debate sobre o caso, realizado no dia anterior, ela foi incisiva em dizer que “mulheres negras quilombolas são invisíveis à sociedade e são tratadas como coisas”. Ela conta que as crianças se queixam de saudades da mãe.

O caso

As duas filhas de Maria das Graças de Jesus nasceram, assim como a mãe, na comunidade Quilombola Toca Santa Cruz, no município de Paulo Lopes. Desde 2014, entretanto, a família se encontra separada devido a uma denúncia de que Gracinha, como é chamada na Toca, não teria capacidade mental para cuidar das crianças e as expunha a maus tratos. Levadas pela assistência social sob a desculpa de que estariam apenas sendo conduzidas para uma consulta médica, faz quase dois anos que as meninas se encontram abrigadas na Casa Lar Chico Xavier, em Biguaçu.

Colaboração: Carolina Maingué

Fonte: Maruim

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