A voz que sai da boca pintada com batom quase da cor de sua pele é forte e ao mesmo tempo doce. Liniker canta pela primeira vez em Floripa e diz que não quer saber de desamor. Chama o povo pra dançar e o povo dança! Dança até suar muito na batida da black music que toma conta do espaço quente que ficou o Babilonya Club, nas dunas da Joaquina. São 800 pessoas que lotam o lugar! Ingressos esgotados já nas primeiras semanas, Liniker é fenômeno no palco e revoluciona. Como ela mesmo diz, por ser “mulher trans, preta e periférica”, sua postura já é ato político. Com simpatia incomum nas grandes estrelas (que na subida já começam a se distanciar do público), a artista recebeu a equipe do Portal Catarinas em seu camarim às 4h da manhã. A entrevista foi uma conversa e reafirmação de sua arte, de sua identidade e de defesa da liberdade para ser quem é e ser feliz com sua música, na vida e perto do público. Uma maturidade e serenidade incríveis para alguém que até um ano atrás não sabia que o sucesso seria estrondoso, trabalhava como atendente de telemarketing e carregava consigo um caderno para anotar ideias de letras nos intervalos.

Foto: Cristina Gallo
Sou uma mulher trans no palco, preta, periférica, que tá alcançando essas milhares de pessoas/Foto: Cristina Gallo

CATARINAS – Você estava preparado pra esse sucesso todo ou foi surpresa?
LINIKER – Tive que me preparar, na caminhada. Mas não esperávamos que iria ser tão impactante, tão de repente.

CATARINAS – A que você atribui o sucesso? À internet?
LINIKER -Total! Acho que a internet e a gente também estava muito esperançoso, então tem muito trabalho, sabe? Tipo…a gente trampou muito antes de lançar. Era final de semana ensaiando, era trocar com os meninos, apresentar as músicas.. Muito doido, muito feliz.

CATARINAS – E essa entrega? Você se entrega no palco e o que sobra depois? O que você leva daqui?LINIKER – Levo toda essa delícia, né? Porque é muito gostoso, é uma troca muito intensa. Às vezes acontece um cansaço quando a gente tá com um público muito grande… Às vezes vêm umas energias que batem com a gente de um jeito meio estranho. Mas de resto, de hoje em Florianópolis, foi muito gostoso.

CATARINAS – E o que tem de diferente em Florianópolis? A gente estava conversando agora há pouco que sentiu essa energia da diversidade aqui. Você sentiu essa energia?
LINIKER – Senti um público bem branco hoje. Senti pouca representatividade negra no show de hoje. Mas foi muito gostoso…

 CATARINAS: Achou pouca é? Por causa do estado, será?
LINIKER – Achei.

CATARINAS – Mas mesmo assim, da energia, da vibração do público…
LINIKER – Maravilhosa! 

Foto: Cristina Gallo
Liniker canta por visibilidade de artistas negras/Foto: Cristina Gallo

CATARINAS – E o fato dos brancos dançarem tua música? Não tem essa coisa forte também? Nos Estados Unidos aconteceu isso, o pessoal foi dançar a música negra lá… (numa referência ao movimento de artistas negros, reafirmação, a presença da gravadora Motown para valorizar a música negra e o sucesso de grandes nomes).
LINIKER – Mas o preto precisa se legitimar, né, porque a gente tá sendo apagado cada vez mais. Então quando num show meu eu percebo que a maioria é negra, é muito importante pela questão da representatividade.

CATARINAS – Pela identidade deles com você, né?
LINIKER –  E minha com eles também. Porque é isso, não é porque eu tenho visibilidade que eu me isento de ser gente que nem todo mundo. Então é um um lance muito importante isso… É muito gostoso dançar com as pessoas brancas, mas quando tem a maioria é negra, é um impacto muito forte pra gente, pra nossa história.

CATARINAS – Você dialoga com vários movimentos, né? Isso de certa forma também te ajudou a chegar nesse lugar que você está, que é um lugar político…
LINIKER –

Eu acho que por eu ser a pessoa que eu sou, sem construção nenhuma, já é um ato político: sou uma mulher trans no palco, preta, periférica, que está alcançando essas milhares de pessoas. E cada vez mais achar forças dentro de mim para resistir. Não estou isenta de ser violentada por eu ser famosa.

CATARINAS – Ontem (sexta, 25/12) foi o Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher. E essa violência é contra o feminino. De certa forma, você também é vítima dessa violência…
LINIKER – Total. As pessoas falam: “Mas agora você é famosa, ninguém vai mexer com você”. Muito pelo contrário! Ainda mais  porque eu escolhi não ser diferente das outras pessoas, viver minha vida, mo norar em São Paulo, sair, fazer minhas coisas. Tranquila , sem ser o que as pessoas dizem: ” Liniker, você é Deusa, não pode sair na rua…” Ser xingada é uma coisa que ainda acontece, não é diferente comigo.

CATARINAS – Você é muito natural , sem levantar bandeiras…
LINIKER – Eu cresci assim, minha mãe deu toda a base.

No show, Liniker cantou a música que fez aos 18 anos para sua mãe, Ângela Barros. “Mulher forte, como eu gosto de te amar”, disse no palco.

Confira alguns trechos das músicas:

“A gente fica mordido, não fica?
Dente, lábio, teu jeito de olhar
Me lembro do beijo em teu pescoço
Do meu toque grosso, com medo de te transpassar”
(“Zero”, Liniker e Os Caramelows)

“Passei pra dar um cheiro
Na Luiza mais Louise du Brésil
E aproveitei pra dar no Zé
Até porque eu não tava com frio”
(Louise du Brésil – Liniker e Os Caramelows)

“Você fez merda ao dizer que não me ama
Depois da transa que eu dei pra você
Tá tão fácil, cowboy, recusar um amor
Só eu sei o quanto me dói”
(Você fez merda – Liniker e Os Caramelows)

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