Ela está presa há 900 dias. Foi mal defendida e seus registros têm falhas graves. Belén relatou sua história para o jornal Pagina 12 da Argentina. A situação vivida no hospital, a falsa acusação, a prisão e sua nova militância: “Que nenhuma mulher tenha medo de ir a um hospital.” A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas pede a soltura dela. A chave encontra-se com o Supremo Tribunal de Tucuman.

A manhã é cinza, sombria. Dentro da prisão, em que está presa Belén há mais de dois anos e três meses, o frio úmido escoa sem permissão. “Eu não matei ninguém”, diz ela, com o tom rigoroso em uma entrevista exclusiva ao Página 12. Em abril, ela foi condenada por “homicídio duplamente agravado pelo vínculo e premeditação” a oito anos de prisão depois de sofrer um aborto espontâneo no Hospital Avellaneda, nesta cidade. Pela primeira vez, ela recebe uma mídia nacional e se atreve a contar sua história. Embora prefira permanecer sendo Belén, não é mais a mesma desde que a advogada Soledad Deza, das Católicas pelo Direito de Decidir, conheceu sua sentença e se dispôs a defendê-la. Deza é sua fada madrinha. A visita ocorre pelo menos duas vezes por semana e, talvez o mais importante, a advogada ensinou-lhe sobre os seus direitos e transformou-a em uma mulher empoderada: Belém não permitirá mais que outros médicos a maltratem quando levada a uma clínica ou hospital. “Ela me mudou aqui – aponta para a cabeça – e aqui – sinaliza para o coração.” Três meses atrás, quando se encontraram, ela disse que queria sair e ir para casa com sua família. “Agora eu quero encontrar respostas, conhecer a verdade e justiça. Nenhuma outra mulher pode passar pelo mesmo ou ter medo de ir a um hospital “, diz Belén. E conta que um dia antes recebeu uma carta de uma mulher que foi para a Maternidade Nossa Senhora da Misericórdia, sob o governo provincial, como o Avellaneda- e acabou indo embora sem atendimento: “Estava grávida, com dor e tinha medo de acabar presa”, diz Belén.

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Dói como a (des) tratam na mídia tradicional. O Canal 8 chegou a publicar uma foto de um dos fetos que a acusam de ter assassinado. A Gazeta vinculou seu caso ao de Romina Tejerina. Mas ela sabe que não está mais sozinha para defender-se dos médicos que violam sigilo profissional e dos juízes que condenam sem provas.

A menina com cabelos escuros e longos sorri e agradece às muitas vozes que clamam por sua liberdade. Não só em Tucumán, como no mundo. O protesto ultrapassou as fronteiras da província e do país.

Durante três horas, Belén contou sobre a madrugada no hospital – onde foi direto para a unidade prisional número 4 sem escalas, as lágrimas noturnas no confinamento; sua paixão pela leitura, as horas dedicadas a escrever a sua própria história, e sonhos de publicar um livro e estudar Literatura quando recuperar sua liberdade.

Seu caso tem prejudicado o governo nacional com a pressão de organizações internacionais de direitos humanos exigindo a anulação da sua condenação injusta. A decisão está nas mãos da corte tucumana. O Secretário dos Direitos Humanos da Nação, Claudio Avruj, queria visitá-la. Ele estava em Tucuman para liderar a reunião do Conselho Federal de Direitos Humanos, a respeito de todas as províncias. Ele foi para a prisão, mas Belém aceitou recebê-lo porque seu advogado não estava presente.

Agora que ela sabe sobre seus direitos como detenta, abriu a cabeça das outras internas. “Eu disse a eles para exigir que seus advogados para vir e ver, para trazê-los para os registros. Eles nunca vinham.”, diz ela.

A menina, corpo esbelto, rosto anguloso, se sente impotente pela sentença injusta e arbitrária que recebeu, pelas mentiras contadas em tribunal e repetidas na declaração assinada pela Câmara Criminal III de Tucuman, composta por juízes Dante Ibanez, Nestor Rafael MACORITTO e Fabian Adolfo Fradejas.

O caso contra ela começou como “aborto seguido por suposto assassinato”, crime impossível e inexistente. Então ele denunciou como “homicídio duplamente agravado pelo vínculo e traição”, mesmo que não haja nenhuma evidência ligando em termos de filiação Belém ao feto supostamente encontrado no hospital. Também não há evidências de que ela tem causado um aborto, muito menos que ele matou um recém-nascido, jogando-o a um tubo. Belén disse em voz alta e com lágrimas perante o Tribunal. Mas ninguém queria ouvir.

Afetos
A entrevista segue na sala da chefe penal, sem a sua presença, é claro.

– Como era sua vida antes da prisão? – perguntamos.

– Era uma menina normal. De 26 anos. Trabalhava em uma cooperativa.

Belén quer contar muito mais, mas tem medo que algum dado possa identificá-la. Ele quer continuar com sua vida “normal” quando sair da prisão. Estudar literatura, conseguir um emprego. Ela tem vários irmãos, homens e mulheres. As mulheres a visitam, como sua mãe, incondicional, ao seu lado. Os homens não querem vê-la na cadeia. Nem seu pai. “Espero minha gorda lá fora”, diz o pai. Ela sente falta deles.

Indefesa
O advogado contratado pela família, Abraham Musi, um ex-promotor demitido por sua ligação com a venda de carros clonados, abandonou sua defesa alguns dias antes do julgamento porque os pais de Belén não conseguiram levantar o valor total que ele exigiu: “Nós pagamos 7500 pesos e ele queria 20.000. Musi me dizia que havia um DNA que me condenava. Eu dizia que era tudo inventado. Ele me fez acreditar que me dariam prisão perpétua. Só dois anos e meio depois que eu descobri que não havia DNA ou corpo para me incriminar. Eu não entendo por que ele fiz isso. A defensora pública Norma Bulacio veio me ver pouco antes do julgamento. Eu a conheci lá. Ela se apresentou ‘Eu serei sua advogada’. É um grande gravidez, 8 meses, você precisar fazer algo, ela disse. Eu fiquei alterada e perguntei aos gritos ‘como é que vou cuidar de algo que eu não fiz?”, conta a jovem.

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Bulacio não forneceu qualquer prova no julgamento para defender Belém. Nem mesmo uma foto dela nos dias anteriores a quando foi atendida no hospital para a dor abdominal, que lhe mostravam sem barriga. Oito meses de gravidez não se pode esconder. “Se eu tivesse cortado o cordão umbilical e puxado o bebê pelo ralo, como eles me acusam, eu deveria ter manchado minhas mãos de sangue. Nem a minha roupa ou banheiro tinha sangue”, disse a menina.

Bulacio alegou que ela estava em choque nesta manhã pelo suposto nascimento, afetada pelo estado puerperal, dando a entender a sua culpa, ainda que sua cliente tenha dito outra coisa. Belén sempre disse que não sabia de sua gravidez e que o médico José Daniel Martin hospitalar havia lhe dito –  e escreveu em sua história clínica – que ela já havia tido um aborto espontâneo. “No julgamento ouvi barbaridades. Meu defensor público me disse para não contestar. O último dia em que falei disse a verdade. Deixei o presidente do Tribunal corado com as coisas que eu disse”, lembra.

– O que aconteceu na manhã do dia 21 de março de 2014, quando você foi presa?

– Despertei minha mãe por volta das três horas e meia, eu lhe disse que não estava me sentindo bem e pedi que me levasse ao hospital. Dei entrada as 3h50 e não 3, como eles dizem. A doutora que me atendeu injetou um analgésico. Não me examinou. De lá fui ao banheiro. Não demorou meia hora como eles dizem. Fui e voltei em 5 minutos. Coloquei soro. Eu estava deitada em uma maca. Sentia frio. Deram-me uma coberta. Por volta das 06h30 eu me levanto. ‘Eu acho que quero fazer xixi’, disse à minha mãe. Eu estava sangrando. Eles me levar para a sala de parto. Dr. Martin me disse para que ficar quieta que eu estava tendo um aborto espontâneo. E quando eu acordei eu estava cercado pela polícia. Um funcionário da polícia estava olhando para minhas partes íntimas. Então veio uma enfermeira com uma caixa que tinha uma pequena coisinha preta. E disse-me, este é o seu filho. Disse-lhe que estava errado.

Nesse ponto, Belén já havia sido denunciada e já tinha sido dada a sua intervenção pelo Procurador V por Washington Dávila, que ordenou a “prisão” em sua internação. Poucos dias depois, ela foi levada diretamente para a prisão, onde permanece presa por cerca de 900 dias. Ele nunca voltou para casa. Sobre a idade gestacional do feto, a investigação criminal, que durou apenas quatro meses, tem sérias contradições que vão de 15 semanas de gestação a 32. Nenhum profissional explica em quais critérios são baseadas suas conclusões.

Prisão
– “Da minha casa até o hospital. E do hospital para a prisão”, descreve Belém.

– Como foram os primeiros dias na prisão?

– Chorava como uma louca. Quando entrei o corredor que dá para os pavilhões parecia eterno. Eu tive que aprender códigos, sinais.

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Fiquei alojada em um pavilhão compartilhado com outras onze mulheres privadas de liberdade. Tem água quente, secador de roupas. Não tenho queixa sobre as condições de confinamento. Por estes dias, ela está no comando da cozinha, das 7 às 20. Ela gosta. “Temos teatro, ginástica, professores do ensino médio, por isso estou revendo. Eu aprendi a fazer bichos de pelúcia”, diz ele. Ela leu quase todos os livros na biblioteca da prisão. Ela gosta de ler. Seu advogado leva livros. Um dos últimos que levou foi “O país das mulheres” da romancista nicaragüense Gioconda Belli. “Foi como um dicionário para mim”, diz ela. Agora, ela se entretém com o “Por siempre Mujercitas”, el clásico de Louise May Alcott. Mas, ela lê também “Jaque a la reina”, o livro que publicou Deza com outras advogadas em 2014 em 2014, justamento quando Belén foi presa, onde analisam os processos iniciados por abortos nos últimos 20 anos na capital provincial e demonstram que se uma mulher chega em um hospital público com complicações de aborto, como por exemplo, sangramento, pode acabar com uma queixa criminal contra ela e ser ameaçada de ir para a cadeia. Pouco importa se foi um aborto espontâneo. A violação do segredo médico é uma prática recorrente. “Eu o li três vezes, marquei tudo”, diz Bethlehem.

A revolução
Belén chegou presa ao julgamento: ficou dois anos e um mês com uma defesa negligente. Antes de Musi teve outro advogado particular, Walter Frias Barrera, que tampouco fez para provar a verdade. Em apenas um mês, Soledad Deza “armou uma revolução” diz Belém com risos, repleta de gratidão a sua advogada e todas as pessoas que expressamapoio. Deza prepara-lhe uma pasta com recortes de jornal sobre o seu caso semanalmente. Companheiras de prisão dizem quando falam sobre o seu caso na TV ou na rádio. A Anistia Internacional enviou para a prisão mais de 120 mil assinaturas para a liberdade que reuniram, junto com mensagens de apoio de todo o mundo, cartas manuscritas em várias línguas da Suécia, Taiwan, Grã-Bretanha, Noruega e diferentes pontos de Argentina. “Belém não está sozinho”, “Animo Belém, estamos com você”, “Nós lutamos para você e para todas as mulheres que foram presos injustamente”, “Aqui te escreve uma irmã do outro lado do mundo”, são algumas das mensagens. A Defensoria Pública e do Conselho Nacional das Mulheres apresentados como amicus curiae antes do tucumana tribunal e dez organizações comprometidas com os direitos humanos Ela, CELS, APDH, Cladem, entre outros, eo PO. Eles se opõem à sentença e pedem a sua libertação imediata. Assim fez o Comitê de Direitos Humanos da ONU e várias organizações internacionais, relatores estão pedindo explicações do governo nacional sobre a situação dos jovens. Esta semana, outra lufada de ar fresco foi o parecer do Ministério Público ministro Edmundo Jimenez, que disse que “a decisão deve ser anulada” contra Bethlehem e livre. “Eu acho que é um caso que não tem provas suficientes para que haja uma condenação, há deficiências em medições de teste, sem detalhes, há provas suficientes para imputar um crime a essa pessoa, então eu acho que deve ser anulada falha. Para condenar uma pessoa e privando-o da liberdade deve ser verdade, testes precisos que são indubitáveis, “Jaramillo disse em uma entrevista coletiva.

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“Faz-me feliz saber que não estou sozinha. Há muitas pessoas que estão me ajudando”, diz ela com orgulho. Muda de assunto, não há o que falar de novo de sua família e de falência Belén.

“Várias vezes, quando minha mãe veio, eu a agarrava, chorava e dizia por favor não me deixe aqui, não me deixe sozinha _ diz, e seus olhos se nublam. Emociona ouvi-la. Vê-la engolir as lágrimas. Nós choramos. Refere-se aos que a condenam sem razão: “Eles foderam minha vida. Quem é que vai pagar por quase três anos aqui? Lágrimas derramadas durante a noite para que não tem vejam, porque senão as internas riem. Ocultar que quando sua família vá estás destroçada. Passar o Natal com as pessoas que não conhecem, falar por telefone e não ser poder abraçar meu pai em seu aniversário.”

Ela seca suas lágrimas com o tecido.

Comum e recorrente
Belém está animada com o dia em que ele pode recuperar sua liberdade. Pode ser breve. “Já se sabe toda a verdade, agora é só esperar que minha virgenzinha  do Vale e meu Deus o acalmem o coração e sinal”, diz sobre os três juízes da câmara criminal, que deve decidir sobre o recurso de sua sentença. Eles têm 90 dias úteis para decidir. “Estou nervosa, ansiosa, preocupada,” diz ela.

Em seus dias de confinamento, Belén vem escrevendo sua história, com a ideia de publicar um livro. “Para ver que eu sou uma mulher comum, eu não sou uma assassina, eu não sou o monstro que eles inventaram.” O dia que eu posso ir para casa, a primeira coisa que pretende fazer é ficar sob o chuveiro quente, roupas e tudo, e depois de deitar na cama, abraçar meus pais, cair no sono e dormir “até que meus olhos doam”.

Texto traduzido do Jornal Página 12. 

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