O apoio do público na campanha de financiamento coletivo é determinante para que a mostra de compositoras aconteça.

Elas ocupam os palcos, mas nem sempre para cantar ou tocar músicas próprias, muito menos composições de outras mulheres. A predominância masculina na composição da música brasileira evidencia uma barreira de gênero que se perpetua na invisibilidade de compositoras e na falta de estímulo para o surgimento de novas. É para refletir sobre essa desigualdade e propor novos cenários que pela primeira vez artistas de seis países se integram em rede para realizar a Sonora Ciclo Internacional de Compositoras.

Em Florianópolis, cerca de trinta mulheres, entre intérpretes e compositoras, vão participar da mostra não competitiva e inclusiva, cuja programação ainda não foi definida. A previsão é que ocorra no período de 20 a 31 de outubro em espaços culturais da cidade. Além das apresentações musicais, o Sonora Floripa terá fóruns temáticos sobre educação musical e gênero e acessibilidade e representatividade das composições de mulheres. Rappers da Batalha das Minas e a banda Cores de Aidê vão se apresentar como convidadas no festival.

Campanha

Para que o evento aconteça, será preciso mobilizar o público na campanha de financiamento coletivo, lançada em 3 de agosto, na plataforma “Vakinha”. A meta é arrecadar R$ 15 mil até 25 de outubro para custear, prioritariamente, a sonorização, divulgação e registro em vídeo. Entre as recompensas, estão CD autografados, aulas de instrumentos, livros e shows.

 

“Queremos trazer esse evento que acontece no mundo todo para o nosso estado numa tentativa de nos mapear, debater e dar visibilidade às compositoras e intérpretes dessas compositoras. Não se faz nada sem recursos, chamamos a comunidade e nosso público em potencial para apoiar esse evento tão bonito e pertinente”, mobiliza a cantora e compositora Tatiana Cobbett que há 15 anos defende a produção de música autoral em Santa Catarina. Junto com Marcoliva, na Sonora Parceria, ela tem cinco álbuns lançados: todos com músicas próprias.

Composições próprias ou de mulheres de Santa Catarina

A regra é clara: cada participante terá que apresentar composições próprias ou de outras compositoras que morem em Santa Catarina. A cantora Cláudia Barbosa conta que ficou entusiasmada ao saber que intérpretes também poderão participar. Ela se concentra na escolha das cinco músicas de suas compositoras preferidas para os trinta minutos de apresentação. “Está sendo uma delícia montar este repertório e sentir o sutil perfume de pétalas que sai dessas composições. Como nossas mulheres são incríveis! Conhecer essas artistas de perto me dá um orgulho especial e diferente de ser mulher e trabalhar com arte num mundo totalmente machista”, emociona-se.

Inspirada em Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Jovelina Pérola Negra, a cantora e instrumentista Sueli Ramos do grupo Rosas do Samba compõe desde que iniciou sua trajetória musical. Para ela, as mulheres são tão boas compositoras quanto os homens, porém a discriminação ainda é frequente nos “elogios” do público. “As pessoas ficam fascinadas quando veem cinco mulheres no palco. É comum comentários como esse ‘vocês tocam tão bem, até parecem homens’”, conta ela sobre suas apresentações com o grupo.

Na década de 90, para burlar a resistência dos donos dos bares de Florianópolis e do público, acostumados com músicas de cantorxs do eixo Rio – São Paulo, Sueli mesclava obras próprias e de outrxs compositorxs em seu repertório. “Fomos acostumadas a interpretar músicas compostas por homens. Era estranho porque cantávamos músicas de amor para outras mulheres”, relembra.

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Sueli desafiou o público da capital a ouvir suas músicas autorais/ Foto Ana Claudia Araujo

A cantora e compositora Iara Germer ficou intrigada com a correção feita pelo Google ao pesquisar “compositoras em Santa Catarina”. “Nós temos tantas compositoras no estado e, ainda assim, o buscador sugeriu ‘compositores’. A gente quer aparecer na listagem da pesquisa”, afirma.

Iara começou a cantar há poucos anos e, mais recentemente, se descobriu compositora, incentivada pela amiga Tatiana Cobbett. “Tinha muito medo de compor e quando criava eu pensava ‘essa melodia’ já existe.”

Desde que as portas da inspiração se abriram, a compositora distribui suas criações para colegas cantoras. A pedido de Dandara Manoela da Cores de Aidê, compôs a música “Bate o tambor” que vai integrar o primeiro álbum da banda. “Dandara me pediu uma música de samba reggae. Depois de pronta, perguntei por que a obra não estava listada no álbum e ela me perguntou ‘você autoriza?’, ao que respondi ‘é claro, fiz para você’”, conta.

A intérprete Jana Gulart também foi “presenteada” com uma música de Iara. “Escrevi a música e logo pensei que era para a Jana. Fui até a casa dela para mostrar.”

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Iara passou a compor recentemente/Foto Ana Claudia Araujo

#MulheresCriando

De acordo com a instrumentista Camila Durães, a mostra é uma oportunidade para repensar os espaços dedicados às mulheres na produção musical como um todo. “Geralmente, as mulheres são intérpretes. A criação de músicas, letras ou arranjos, a direção e a regência não são lugares comuns para elas: nós”, pontua.

Violoncelista e pesquisadora, Camila lembra que mulheres compositoras e regentes não são reconhecidas na música clássica. “Mozart considerava a irmã, Maria Anna Mozart, melhor do que ele. A companheira de Schumann, Clara, foi uma excelente compositora, mas não teve a mesma visibilidade por ser mulher. As composições delas não são tocadas, tampouco estudadas na academia.”

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Camila defende o potencial da mostra/ Foto Ana Claudia Araujo

O ciclo integra 26 cidades da Argentina, Brasil, Espanha, Irlanda, Portugal e Uruguai.  A mobilização em torno do evento iniciou com a hashtag “mulheres criando”, lançada há alguns meses pela compositora mineira Deh Mussulini, integrante do Coletivo Ana de mulheres compositoras. A rede para chamar a atenção para a existência e força das mulheres compositoras se ampliou com o engajamento de artistas brasileiras que moram no exterior.

 

 

 

 

 

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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