As manchetes das últimas semanas dão o tom dos árduos tempos inaugurados na década de 2010. Nela, os sonhos futuristas, assim como as ideias de progresso e de linearidade, foram por água abaixo, trazendo a marca da perenidade de um ranço conservador. Nos últimos anos, eu me sinto o tempo todo como se estivesse voltando ao passado. Você não?

Em 20 de janeiro Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos da América (que, simplificando o entendimento das relações de poder hegemônicas, autointitulam-se “a América”).

Em 21 de janeiro milhões de mulheres foram às ruas em protesto (de arrepiar), em uma anticelebração à posse do presidente mais conservador que poderíamos esperar para o século XXI.

Como resposta, no dia 23, uma das primeiras medidas do novo boss foi vetar o auxílio dos EUA aos planos de apoio ao aborto de Organizações Não Governamentais internacionais.

Quanto ao Brasil, nem sei se estou disposta a discorrer sobre tantos disparates e baixarias que acompanhamos todos os dias no desmonte do país, que ganhou caráter cotidiano e de urgência. E tem gente ainda que acha que não.

Então, se já nos deparamos com a volta dos fascismos, o retrocesso e a perda de direitos, a misoginia religiosa, a recolonização e a tentativa de nos colocarem (nós, mulheres) entre as paredes das casas e das igrejas, o que mais podemos esperar?

Vivemos tempos de vigilância e de ação. Nossas estratégias talvez sejam as únicas capazes de resistir e dar conta do “chumbo grosso” que ainda vem por aí. Os novos tempos (na sombra dos velhos) possivelmente não nos levarão aos cárceres da tortura, nos porões de uma ditadura militar, mas a polidez civilizada e colonizadora buscará o tempo todo a tática da humilhação, da incredulidade, evocando os estereótipos das loucas, histéricas, infantilizadas, lésbicas e mal-amadas. Até quando receberemos dos donos do poder o veredito se “merecemos”, ou não, sofrer violações – físicas, morais, individuais ou coletivas?

Não preciso citar nomes para que saibam do que e de quem estou falando. Além do mais, alguns nomes, de podres que são, já não importam. Estamos diante da mais efetiva reação vista nas últimas décadas (um estupro coletivo simbólico?), sabendo que o tempo todo alguém está tentando nos impedir de fazer alguma coisa. Mas parece que ainda temos um trunfo…

As mulheres – sejam elas cis, trans, não binárias, negras, brancas ou algo mais – parecem não ter fugido às aulas de história e trazem em si uma bagagem enriquecida pelas lutas e pelo ativismo das que vieram antes de nós. Seja no punho fechado de Angela Davis ou nas palestras cruas e sem pudor de Amelinha Teles, a força que temos hoje, e que causa bastante incômodo, foi se fazendo da experiência histórica do que significou ser mulher, ao longo do tempo, e que hoje se ressignifica.

Não é a biologia que nos distingue, mas o modo como somos criadas, as roupas e cores que nos são impostas, os brinquedos que podem ser nossos ou não. Para as mulheres foi dado um lugar, para o qual são educadas e seguem educando. Delicadeza, boas maneiras, tudo muito claro e em seu lugar devido. Entre as elites, o questionamento sequer acontece, já que a avidez pela reprodução do capital faz dos encontros, que seriam amorosos, peças de um contrato social selado por brasões familiares distintos.

Se há liberdade e resistência nos dias de hoje, sem dúvida a representação maior disso está nos feminismos contemporâneos, ao mesmo tempo singulares e inclusivos, combativos e afetuosos. A mão que se cerra é a mesma que acaricia e abraça. Atitude. Os olhos são lúcidos e bem distinguem o que faz bem daquilo que nos ataca. Estamos abertas, queremos parceiras e parceiros embaixo do mesmo guarda-chuva.

2017 já está correndo, e com ele a expectativa da realização de um grande encontro feminista e de mulheres. O Fazendo Gênero/Mundos de Mulheres está sendo construído coletivamente por mais de uma centena de mulheres e homens envolvides no grande projeto da igualdade social e da ocupação de espaços públicos e políticos. Nele, todas e qualquer forma de expressão são importantes, com vozes vindas tanto dos movimentos sociais quanto da academia.

Nos movimentos, dezenas de organizações e grupos estão envolvidos com a proposta de juntar saberes e unir forças para que se discuta, coletivamente, os caminhos a serem traçados e as formas de ação e de resistência para enfrentar os desafios dos nossos tempos.

A partir daí vamos resolver todos os problemas do mundo? É certo que não, mas estaremos renovadas e acolhidas para enfrentarmos Trumps e Temers, Donalds e Mickeys, cheias de fôlego e impulsos criativos para levarmos adiante nossa micro e pequena resistência, a mesma das “formiguinhas” de anos passados.

O encontro ativista-acadêmico é parte de um sonho a ser realizado, de ruptura das barreiras que ainda nos separam, dividem e nos colocam em compartimentos. Com todo o respeito às singularidades e opressões específicas, sabemos que juntas somos fortes e que vamos fazer a diferença tão necessária.

Usando a inspiração no mote da Marcha das Mulheres Negras, podemos dizer que “uma sobe e puxa a outra”. Colaê! Vem fazer também o FG/MM com a gente!

Quando?  De 30 de julho a 4 de agosto de 2017.

Onde?  Na UFSC e no resto da cidade.

Por que?  Porque sou uma pessoa e estou farta de preconceitos!

Contatos do Fazendo Gênero/Mundos de Mulheres:
[email protected] e http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br

 

 

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  • Ana Maria Veiga

    Ana é historiadora, professora, roteirista, videomaker, jornalista, coordenadora de programação do Fazendo Gênero/Mundos...

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