Na última semana mais uma mulher morreu no Rio de Janeiro vítima da insegurança causada pela criminalização do aborto. Chamava-se Caroline de Souza Carneiro. Tinha 28 anos. Na madrugada de 19 de agosto, Caroline pegou um ônibus sozinha em Paraíba do Sul, onde morava com a família, numa viagem de duas horas até o Rio de Janeiro para fazer um aborto em uma clínica clandestina na Zona Norte. Seu corpo foi encontrado no mesmo dia, abandonado em uma rua deserta em Duque de Caxias. Estava com um corte na barriga. O namorado sabia que a jovem ia ao Rio de Janeiro realizar um aborto. Já os familiares sequer tinham conhecimento da gestação.

Caroline engravidou de forma indesejada, o que acontece anualmente com 33 milhões de mulheres no mundo, mesmo que façam uso do anticoncepcional, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela tinha sonhos e entre eles não estava gerar uma filha ou filho. Não agora. Caroline morreu porque não queria manter uma gravidez. O Estado não lhe garantiu o direito ao aborto legal e seguro.

Ainda segundo a OMS, estima-se que a cada dois dias uma mulher morra por recorrer ao aborto no Brasil. É a clandestinidade que torna a prática insegura. Em 2014, pelo menos duas mulheres morreram de forma trágica ao buscarem clínicas clandestinas no Rio. O corpo de Jandira Cruz, 27, foi encontrado carbonizado e o de Elisângela Barbosa, 32, numa vala. No interior do útero da última havia um tubo plástico.

“Ah, minha menina, você nos deixou de uma maneira tão triste. Quem te conheceu sabe que você era linda não só de corpo e de rosto,mas de coração também. Você está fazendo muita falta (…)”, disse a prima de Caroline nas redes sociais.

De acordo com a Polícia Civil, um inquérito foi instaurado para apurar as circunstâncias da morte de Caroline. A cada morte como essa inicia-se uma caça às clínicas clandestinas. Clínicas inseguras que só existem em função da ilegalidade do aborto.

Com a divulgação da morte na página do Portal Catarinas, algumas manifestações demonstram como a sociedade alimenta o ódio contra essas mulheres que longe de serem criminosas, são vítimas:

“A lei do retorno né…. Aqui se faz aqui se paga. Pagando vida com vida. Antes de fazer aborto que fechasse as pernas ou mto mais fácil se prevenisse… Isso hj em dia é tão fácil de fazer… Não tenho compaixão por ela. Boa sorte ao acertar as contas com Deus”

“Recebeu o q merecia. Quiz matar e veio o retorno.Deus manda q venham a mim as criancinhas. Não manda mata’las.”

São falas construídas e mantidas dentro de uma lógica machista, para a qual um feto tem mais valor do que uma mulher. Refletem um pensamento hegemônico, voltado ao controle do corpo da mulher, de defesa do determinismo biológico. Aquelas que engravidam devem obrigatoriamente gerar suas filhas e filhos, independente da condição social, planos: de sua vontade. O direito ao exercício da sexualidade não lhes cabe, tampouco o direito à educação sexual, ao planejamento reprodutivo e ao aborto legal e seguro. Mas lhes cabe parir, porque nasceram para isso.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto realizada pela cientista Débora Diniz, em 2010, uma a cada cinco mulheres já abortou no país. Estimativas apontam que 800 mulheres interrompam a gravidez anualmente. Não são só as outras, “permissivas e irresponsáveis”, que cometem esse “crime”, o  aborto é uma realidade do universo feminino. Ainda de acordo com o mesmo estudo, a maioria das brasileiras que já interrompeu uma gravidez é casada, religiosa e já tem filhos. Só as pobres e negras chegam ao cárcere, sofrem sequelas ou morrem, vítimas de soluções caseiras ou de clínicas inseguras como essa.

Contrariando recomendações da OMS, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos principais tratados internacionais, dos quais é signatário, assim como a própria Constituição Federal, o Estado Brasileiro segue a violar os direitos das mulheres.

 

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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