A sexualidade das mulheres ainda é vivenciada com muitos tabus. Isso se reflete na falta de adesão à camisinha feminina, que garante proteção e liberdade na hora da relação sexual. Justamente por ser colocado no corpo das mulheres, o método personalizado é apresentado como uma estratégia de garantia da saúde e de ampliação da autonomia no campo da sexualidade e da reprodução, como explica Adele Benzaken, diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Viriais (DDAHV) do Ministério da Saúde.

“A camisinha feminina é tão importante pelo seu potencial como insumo de prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis e AIDS, quanto pelo seu significado em termos de autonomia para o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, afirma a diretora.

Em entrevista ao Catarinas, a representante falou sobre os benefícios da versão feminina, como maior cobertura da proteção e influência sobre o prazer, e os desafios para a ampliação do conhecimento sobre o preservativo.

Você tem dados sobre o uso da camisinha feminina no Brasil e no mundo?
O Brasil é um dos países que mais compra preservativo feminino no mundo, via o governo federal para ser distribuído gratuitamente no SUS. No período de 2002 a 2016 o Ministério da Saúde adquiriu 76 milhões de unidades de preservativos femininos (PF). Desde 2002, foram distribuídas gratuitamente 64 milhões, para todos os estados e capitais do país. Atualmente, a dispensação dos preservativos femininos acontece para todas as mulheres, considerando as necessidades declaradas pela usuária e a disponibilidade do insumo nos serviços de saúde do SUS, incluindo Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA); Serviços de Atenção Especializada em HIV/Aids (SAE); Unidades Básicas de Saúde (UBS), Estratégias de Saúde da Família (ESF), consultórios na rua, Serviços da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e Organizações da Sociedade Civil.

Há relatos de que a versão feminina aumenta o prazer/Foto Chris Mayer
Há relatos de que a versão feminina aumenta o prazer/Foto Chris Mayer

Por que a camisinha ainda é subutilizada?
O produto chegou ao mercado brasileiro em dezembro de 1997, ano em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou seu registro para comercialização. A Secretaria Municipal de Saúde de São Vicente, em São Paulo, introduziu o preservativo feminino em sua rede de saúde em 1998 e o Ministério da Saúde (MS) passou a fornecê-lo para as Secretarias Estaduais de Saúde gratuitamente a partir de 2000, a fim de ser distribuído, naquela época para mulheres de populações consideradas prioritárias para a prevenção das ISTs/Aids. Nos últimos anos, a aquisição aumentou de 2 milhões, em 2000, para 50 milhões, em 2014. A distribuição do PF acontece em todas as unidades de saúde do País gratuitamente. O DDAHV entende que existe um trabalho árduo para que  possa ser melhor utilizado como uma alternativa de prevenção das ISTs/Aids e gravidez indesejada. Desenvolvemos ações para estimular o uso em vários estados priorizando algumas populações mais vulneráveis e o menor número distribuído quando comparado com o preservativo masculino se deve a melhor aceitação deste último e também pela limitação no valor feminino.

Qual a explicação para a baixa adesão das mulheres?
As barreiras culturais de gênero ainda estão muito presentes, e interferem significativamente na percepção e uso da camisinha. O método está ligado diretamente a sexualidade das mulheres, a qual ainda é vivenciada com muitos tabus.

O tabu do sexo, a vergonha, o medo da mulher se tocar, as dificuldades das mulheres de negociarem o preservativo, a impossibilidade de dialogar sobre seus corpos, são alguns dos aspectos apontados como importante para a dificuldade de uma melhor adesão do uso. Além disso, certamente a falta de informação e de conhecimento contribui para que as mulheres não usem. Ao mesmo tempo, também a falta de informação dos profissionais de saúde tem dificultado para que todas as pessoas tenham um bom acesso.

Há resistência efetiva no uso ou a baixa adesão deve-se à falta de informação?
Estudos clínicos demonstraram que o preservativo feminino de borracha nitrílica (material sintético) é um método bastante seguro e eficaz na prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. Além disso, protege contra gravidez. Portanto, é um poderoso insumo de proteção. Entende-se a necessidade de ampliar sua oferta no planejamento e nas ações de promoção saúde da mulher. É preciso investir mais em informações sobre o PF para que as pessoas tenham maior conhecimento sobre seus benefícios, bem como, sobre o processo de erotização da prevenção.

Foto: Chris Mayer
A camisinha oferece proteção adicional ao recobrir a região dos lábios vaginais/ Foto: Chris Mayer

Nem todas as farmácias oferecem camisinhas femininas. O que isso revela?
A cultura de gênero e da sexualidade informa e impacta o desenvolvimento de produtos e dos mercados. Como o PF ainda esta envolto de pouca popularidade, o produto ainda tem um valor de custo muito maior que o preservativo masculino, prejudicando a sua venda e nas farmácias.

O preservativo é confortável e eficaz se usado da forma correta?
Com toda a certeza é confortável, quando utilizado de forma correta. Além disso, importante informar que o PF não aperta o pênis, serve para qualquer tamanho de membro, é antialérgica (pessoas com resistência ao látex podem usar tranquilamente), já vem lubrificada, pode ser colocada algumas horas antes da relação sexual, não necessita aguardar a ereção do pênis e por ser lubrificada contribui para as mulheres que estão em períodos ressecados.

Além disso, algumas mulheres afirmam que o PF é mais prazeroso, pois tem um anel flexível que massageia levemente o clitóris.  Importante desmistificar mitos e fantasias sobre o preservativo feminino, tais como o barulho, a lubrificação, o tamanho. Todas essas questões permanecem no imaginário das pessoas, entretanto, o produto tem melhoras e as pessoas precisam acessá-lo.

Qual a distribuição atual pelo MS?
Desde 2000 o Ministério da Saúde distribui preservativos femininos. Tomando por base a distribuição efetivada no ano de 2015, foram distribuídas 552 milhões de camisinhas masculinas e 22 milhões de preservativos femininos. 

A camisinha feminina traz autonomia para a mulher?
O preservativo feminino oferece proteção adicional ao recobrir a região dos lábios vaginais, ajudando a prevenir a infecção pelo vírus HPV e herpes, bem como, previne do HIV/Aids e da gravidez indesejada. Além disso, o sexo oral pode ser feito sobre o preservativo feminino. Certamente, que o PF contribui para a ampliação da autonomia das mulheres no enfrentamento da epidemia. O preservativo feminino integra o contexto de desenvolvimento de novas estratégias para ampliar as opções de proteção das mulheres diante da epidemia de HIV, Aids. A importância de seu advento se deve ao fato de ser um dispositivo de prevenção sob controle da mulher (Stein, 1990), ou, melhor dizendo, um método iniciado pela mulher (Barbosa & Perpétuo, 2010). Isso não significa que os homens não tenham que compartilhar do interesse e do conhecimento desse insumo.

É dever do governo garantir que tecnologias e estratégias de prevenção estejam a disposição da população. Que os direitos humanos das mulheres sejam considerados permanentemente e tratados de forma efetiva.

A Série Especial Camisinha Feminina segue com mais dois capítulos.

Especial Camisinha Feminina: as mulheres no controle da proteção

Camisinha Feminina 2: os obstáculos para acessar o método

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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